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Westway LAB, um fluxo que abraça a certeza e a novidade entre salas e bares

Tiago Mendes Dias
Cultura \ segunda-feira, abril 17, 2023
© Direitos reservados
Em plena tarde, no centro da cidade, ou à noite, no CCVF, centenas de pessoas circulavam entre os palcos enquanto rolava a música de Cave Story, La Furia ou Rita Vian, num testemunho de informalidade.

Via-se muitas clareiras quando as luzes se apagaram e Nacho Vegas apareceu em palco; assim que o cantautor asturiano brindou a plateia com os primeiros acordes da sua guitarra e os primeiros excertos de letras que aludem ao intimismo, mas também à luta social, eram cerca de 100 pessoas as pessoas sentadas no Grande Auditório Francisca Abreu, no Centro Cultural Vila Flor (CCVF). À medida que o artista folk avançava na sua performance, havia sempre gente a entrar para ocupar os muitos lugares vagos.

Quando se ouviu “Ciudad Vampira!”, canção de Resituación (2014) que discorre sobre o direito da população à sua cidade – há lá referências à Gijón de Nacho -, já seriam bem mais aqueles que o ouviam; aquela era uma audiência de festival, em permanente fluxo entre as salas; no caso, era sábado, 15 de abril, e estava a começar a última noite do 10.º Westway LAB.

"É importante desconvencionar a forma de se fazer coisas. Isso é abolir as barreiras. O que pensámos para o recinto foi limpar, deixar circular, controlar o menos possível. É preciso que as pessoas tenham uma fruição sobre as coisas que não seja demasiado reguladora das emoções", descreve Rui Torrinha, diretor artístico da Oficina para as artes performativas.

Nacho Vegas abriu a ronda noturna de cinco concertos que encerrou um “festival que começa a ser apoderado pela cidade e pelo público que vem de fora”, daí ser importante “simplificar o mais possível o acesso aos espaços e à relação com os artistas", defendeu o programador. O espetáculo, quieto e suave, apesar do gume das palavras, estendeu-se até às 22h15, mas por volta da hora certa já havia quem deixasse a sala para descer até ao café-concerto.

Com La Furia, os festivaleiros assistiram a uma performance muito diferente, embora com alguns pontos de contacto nas letras: a voz de Nerea Lorón Díaz, as coreografias e a eletrónica davam vida a um hip hop agressivo, feminino e feminista, sem receio de apontar dedos. Entre as canções, a artista de Navarra adotava uma faceta mais vulnerável e até confessional, ao explorar com a plateia os temas das suas canções. Depois voltava à carga.

Cheio por momentos, o espaço esvaziou-se perto das 23h00, ainda Nerea dissertava sobre dor, pecado ou luta por algo melhor, quando, mais acima, no palco do Grande Auditório Francisca Abreu, Rita Vian brindava o público com os seus jogos de palavras e de sons que fundem o tradicional e o contemporâneo, num estilo inconfundivelmente português. A evocação de um dueto entre os seus avós foi talvez o ponto mais tocante de um espetáculo contemplativo, antes de Catarina Munhá e Criatura fecharem a noite.

Uma das razões para a assistência em fluxo nas duas noites de concertos – a primeira teve B Fachada, Redoma, Ana Lua Caiano, Azar Azar e Linda Martini - foi a redução do número de espetáculos. Os sete por noite de anos anteriores passaram a cinco em 2023. A Oficina retirou a sobreposição do programa, pelo que se tornou possível qualquer pessoa ver todos os concertos. Eram 550 as que poderiam assistir a todos os concertos em qualquer uma das noites, após a venda de 300 passes gerais e de 200 bilhetes diários por noite – 400 no total -, além dos bilhetes disponibilizados aos conferencistas e artistas. Na praça coberta do CCVF, os espetadores circulavam entre bancas de vinis e de outros artigos.

"Há, neste momento, um descodificar de uma coisa que parecia estranha no início da caminhada do Westway para uma vivência cada vez mais integrada da comunidade e do público de fora”, vinca Rui Torrinha.

 

Nacho Vegas, cantautor das Astúrias, abriu a noite de sábado © Pedro C. Esteves

Nacho Vegas, cantautor das Astúrias, abriu a noite de sábado © Pedro C. Esteves

 

À tarde, houve música pela porta dentro, com fino na mão

O Westway LAB, prossegue o responsável, deve ser um “festival do quotidiano”, no qual a cidade é a protagonista. Se os frutos das residências artísticas do Centro de Criação de Candoso tiveram palco nos dois primeiros dias, 12 e 13 de abril, no café-concerto do CCVF, o sábado levou a música para a rua. Marca deste festival, as showcases estiveram em digressão por quatro espaços da cidade: Centro de Artes e Espetáculos São Mamede, Oub’Lá, Convívio e Ramada 1930.

Neste último, os Cave Story fizeram subir o termómetro de uma tarde já quente, com o seu rock em que a energia da bateria e do baixo se casa com as texturas elaboradas das guitarras. Sem o auxílio de qualquer jogo de luz a não ser a resplandecente luz solar, a banda de Caldas da Rainha expunha-se com todos os seus movimentos às dezenas de pessoas que se distribuíam pela frente do palco e pelas sombras possíveis naquele terraço ladeado de memória industrial. O quarteto, recorde-se, acabou de lançar o novo álbum, Wide Wall, Tree Tall.

Uma hora depois, a multidão que se apinhava no Oub’Lá batalhava por uma nesga de espaço para ver a performance acústica de Yann Cleary ou para se chegarem ao balcão. “Um fino”, ouvia-se, enquanto, do lado de lá, se enchia mais um copo. “É extremamente positivo. Eu já seguia o Westway Lab antes da existência do Oub’Lá e estamos muito felizes por fazer parte do circuito. Isto é um complemento ótimo à nossa programação. Temos muita gente conhecida e outros projetos que ficamos a conhecer”, realça Jorge Lopes, o responsável pelo espaço, pelo meio da azáfama.

A circulação à porta era difícil; aquele bar era recorte de uma Praça de Santiago repleta de gente a aproveitar o sol vespertino na esplanada. Convencido de que o festival também ajuda na “parte económica”, com “um movimento maior de pessoas”, Jorge Lopes realça que a participação do Oub’Lá se deve à “grande identificação” com a programação do festival, numa “simbiose perfeita”. “Queremos participar cada vez mais nesta e noutras iniciativas. Estamos sempre de portas abertas”, disse.

Quer as mostras das residências artísticas, quer as mostras de sábado à tarde contaram com artistas da cidade – Ledher Blue ou Mário Gonçalves – e de cidades em redor, como Braga e Barcelos, nota Rui Torrinha. No caso de sábado à tarde, o programador vinca que a relação entre Westway LAB e Guimarães extravasa a música; também se firma na “monumentalidade” da cidade.

 

Cave Story apresentaram o mais recente álbum à tarde, no Ramada 1930 © Pedro C. Esteves

Cave Story apresentaram o mais recente álbum à tarde, no Ramada 1930 © Pedro C. Esteves

 

Três “linhas de força” no horizonte

Além dos concertos e das residências artísticas, o Westway LAB desenrola-se nas salas de trabalho, com as conferências onde se reúnem os “diferentes atores do setor musical”, esclarece. Apesar de vocacionadas para público especializado, com conhecimento “na linha da frente”, as sessões “não eram de todo inacessíveis” para qualquer pessoa que, nelas, quisessem participar. Desse corpo de trabalho, emergiram três ideias chave para o futuro: a importância do “binómio som e imagem”, na sequência de conferências como a do realizador Rodrigo Areias, a procura de respostas “mais sustentáveis” em tempos de vertigem, indutora de problemas de saúde mental, e a renovação das tradições. “Havia um painel chamado avan tradi. A ideia é partir da essência do que é tradição, um conhecimento muito testado e de comunidade, e perceber como é ela tem hoje esse mesmo efeito, trabalhando as raízes", explica.

A proposta Edgarbeck, apresentada no Teatro Jordão, na primeira noite do festival, contemplou essa mesma renovação; Rui Souza (Dada Garbeck) e Edgar Valente, dos Criatura, deram um concerto de sensibilidade contemporânea, mas inspirado no quotidiano do Minho, mais especificamente do Vale do Ave, composto de tascas, fábricas e capelas. “Fizeram um levantamento das tradições e deram-lhe uma roupagem contemporânea. Foi surpreendente o concerto deles, em contraciclo. Fizeram-no de uma forma contemplativa, em contracorrente a um tempo muito vertiginoso”, descreve, apontando os contrastes expressos em palco.

 

Público apinha-se junto ao Oub'Lá no sábado à tarde © Pedro C. Esteves

Público apinha-se junto ao Oub'Lá no sábado à tarde © Pedro C. Esteves

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