A Vitimização populista
Guimarães acordou ontem com a notícia da alegada vandalização de propaganda eleitoral de um partido de extrema-direita. O episódio, rapidamente amplificado nas redes sociais, está a servir de combustível para comentários inflamados que promovem a divisão, o ódio e a discriminação.
Importa, por isso, analisar o caso com serenidade e à luz da lei que nos rege. A democracia portuguesa consagra direitos, mas também responsabilidades, e não pode ser sequestrada por narrativas que exploram o medo e a vitimização.
Primeiramente, o enquadramento legal é inequívoco: a vandalização de material de propaganda política está prevista no Artigo 175.º da Lei Eleitoral dos Partidos Políticos, que pune quem destruir, rasgar, desfigurar ou tornar ilegível esse material com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias. A exceção aplica-se quando a afixação é feita em propriedade privada sem consentimento do dono, como muitas vezes tem sido o caso, em Guimarães.
No entanto, se houve crime, cabe às autoridades competentes investigá-lo e agir em conformidade. Transformar o caso em bandeira política é outro assunto, e, esse deve ser tratado com responsabilidade e rigor. Até porque, o espaço público não pode ser contaminado por acusações infundadas que apenas alimentam o incitamento ao ódio.
Na verdade, basta observar as caixas de comentários dos jornais de Guimarães e as redes sociais ligadas à extrema-direita para perceber como a retórica rapidamente semeou ódio. Convém recordar: a discriminação ideológica e o incitamento ao ódio estão tipificados como crime no Artigo 240.º do Código Penal.
Na minha opinião, este episódio circunstancial, da forma como é apresentado parece pessoal e de gente com pouca idade, retira do centro do debate político o diálogo sobre as soluções concretas para os problemas de habitação, mobilidade, saúde, emprego, coesão social e territorial, etc. As pessoas de Guimarães não precisam de manobras de distração, nem de narrativas distópicas que procuram dividir para reinar - "divide et impera" - um velho truque político maniqueísta e subsequentemente maccartista.
Além do mais, toda a gente que percorre regularmente a cidade e as freguesias sabe que a vandalização de propaganda política não é novidade. E, historicamente, são sobretudo os partidos de esquerda - PCP/CDU e Bloco de Esquerda - que mais veem os seus cartazes rasgados, arrancados ou até substituídos por publicidade privada. Já houve até furtos de estruturas inteiras. E, no entanto, nunca se assistiu a campanhas de vitimização por parte desses partidos.
É precisamente aqui que a incoerência se torna evidente. O mesmo partido que agora se apresenta como vítima até já se gabou publicamente de ter vandalizado murais de outros partidos. Pelo menos em 2020 um do PCP, e, no ano passado, um da JCP, como provam publicações nas redes sociais e notícia na Imprensa local e regional. Por isso, não parece coerente chorar a destruição da sua propaganda quando se destruiu publicamente a dos outros.
Em suma, a democracia não pode ser palco para teatralizações de vitimização seletiva. O que Guimarães precisa não são truques populistas e demagógicos, mas políticas sérias que respondam aos problemas reais das pessoas. A divisão e o ódio não constroem futuro, apenas enfraquecem a cidade e o seu tecido social.