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Cessão de Quotas: O que nos ensina o caso Montenegro

Rui Fidalgo
Opinião \ terça-feira, abril 22, 2025
© Direitos reservados
O caso Montenegro serve de alerta para a importância de se compreender bem o que está em causa numa cessão de quotas, mesmo quando feita entre familiares.

Nas últimas semanas, o Primeiro-Ministro Luís Montenegro viu-se envolvido num episódio jurídico que, embora técnico, levantou uma questão com impacto direto para milhares de cidadãos: afinal, o que é a cessão de quotas e em que circunstâncias pode ser considerada nula?

O caso começou a gerar atenção pública quando foi noticiado que o atual Primeiro-Ministro transferiu a sua participação numa empresa familiar para a esposa e os filhos. A operação, realizada durante o seu casamento e sob o regime de comunhão de adquiridos, levou alguns juristas a apontarem uma possível nulidade, alegando que a lei não permite negócios entre cônjuges nestes termos, colocando em causa a validade do negócio.

Perante as críticas, o Primeiro-Ministro defendeu a legalidade do ato, sublinhando que a proibição expressa de negócios entre cônjuges foi revogada em 1986. Segundo esta perspetiva, desde então é possível realizar este tipo de transações, ainda que com alguns cuidados adicionais, e desde que não se infrinjam outras normas do ordenamento jurídico.

A cessão de quotas é o nome dado ao ato de transmissão de partes sociais de uma empresa entre pessoas. No caso das sociedades por quotas, esta operação está sujeita a regras específicas que pretendem garantir clareza, segurança jurídica e proteção dos demais sócios.

Uma dessas regras determina que a cessão deve ser feita por escrito, com assinatura de ambas as partes, e comunicada formalmente à sociedade, para que possa produzir efeitos legais. Além disso, existe o princípio de que a sociedade pode opor-se à entrada de novos sócios, salvo em situações previamente previstas no contrato de sociedade ou nos casos em que a transmissão ocorra entre familiares diretos ou entre os próprios sócios.

Quando falamos de cessão entre cônjuges, entra outro fator em jogo: o regime de bens do casamento. No regime da comunhão de adquiridos, tudo o que for adquirido durante o casamento pertence a ambos os cônjuges. Isso significa que, juridicamente, um dos cônjuges não pode, em princípio, vender ou ceder algo que já pertence ao outro. A operação levanta, por isso, dúvidas sobre a sua validade legal.

No entanto, há interpretações distintas. Para alguns especialistas, essa realidade patrimonial inviabiliza a cessão formal entre cônjuges, tornando-a inócua ou mesmo nula. Para outros, desde que a cessão cumpra todos os requisitos formais e não tenha como objetivo ocultar rendimentos ou defraudar credores, pode ser considerada válida.

Neste cenário, a principal questão não é apenas legal, mas também prática: a cessão produziu efeitos? A sociedade foi informada? O ato foi registado e aceite pelos outros sócios, se existiam? Foram respeitadas as formalidades exigidas por lei?

Se alguma destas etapas falhou, o negócio pode não ter produzido efeitos jurídicos, independentemente da intenção dos envolvidos.

O episódio mostra como operações que parecem simples, como “passar a quota para a esposa”, podem envolver regras complexas e gerar polémicas. Também evidencia que a legislação, mesmo quando alterada há décadas, pode continuar a causar incertezas.

No final, o caso Montenegro serve de alerta para a importância de se compreender bem o que está em causa numa cessão de quotas, mesmo quando feita entre familiares. E, acima de tudo, lembra-nos que, em matéria de direito, os gestos mais simples podem ter consequências inesperadas.

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