Proprietários fora, dia santo para os ocupas
Temos vindo a assistir a um fenómeno particularmente inquietante, perante o qual o ordenamento jurídico português se revela, em diversos casos, frágil e insuficiente.
Refiro-me à ocupação ilegal de imóveis devolutos, situação que, não raras vezes, surpreende os legítimos proprietários, confrontados com a dura realidade de encontrarem a sua casa subtraída ao uso e disponibilidade que legitimamente lhes pertence, por via de terceiros que ali se instalam sem título nem autorização. Este quadro evidencia não apenas uma grave violação do direito de propriedade — consagrado constitucionalmente —, mas também a incapacidade do sistema jurídico em dar resposta célere e eficaz a quem se vê, de um momento para o outro, privado de um bem que lhe pertence. Em Portugal, ao contrário do que sucede noutros países europeus, este fenómeno é ainda emergente, mas cada vez mais inquietante. A ocupação ilegal importa para o proprietário, não apenas quanto à privação do gozo e fruição do seu património, mas também a custos elevados e morosos associados à tutela judicial do seu direito de propriedade. Estes eventos parecem alicerçar-se numa (falsa) expectativa de que a mera ocupação possa conduzir à aquisição do direito de propriedade. Importa sublinhar, de forma inequívoca, que tal expectativa é infundada no ordenamento jurídico português.
A aquisição da propriedade por ocupação aplica-se, exclusivamente, a coisas móveis sem dono — como animais ou bens abandonados — e nunca a imóveis, cuja transmissão obedece a regras estritas de registo e contrato. Assim, quem ocupa uma habitação alheia não adquire, por esse facto, qualquer direito sobre ela, mantendo-se a ocupação numa esfera de manifesta ilicitude. A Constituição consagra que «a todos é garantido o direito à propriedade privada». Por sua vez, o Código Civil estabelece que a aquisição de um imóvel pressupõe, necessariamente, a existência de um título jurídico, nomeadamente um contrato (de compra e venda, doação, permuta, entre outros), a sucessão hereditária ou ainda a usucapião — sendo esta última dependente, de forma impreterível, do decurso do tempo. No caso dos imóveis, exige-se que tenham decorrido, pelo menos, entre quinze a vinte anos de posse ininterrupta e pacífica. Ora, a ocupação não está prevista como um meio legal de aquisição da propriedade – muito menos quando não consentida. Mas, caso se veja perante uma situação destas, saiba que o primeiro passo é manter a calma e agir com prudência. A força nunca é solução — é fundamental que de um problema não se façam dois. O caminho correto para defender os seus direitos passará sempre pelos tribunais, o meio legítimo e seguro para proteger aquilo que lhe pertence. Afinal, a ninguém é lícito recorrer à força para realizar ou assegurar o próprio direito — salvo raras e bem delimitadas exceções — e a todo o direito corresponde uma ação própria para o fazer reconhecer em juízo. Salvaguardando-se desde já a factualidade e as particularidades de cada situação e cada caso, é possível afirmar que existindo o receio fundado de que alguém possa causar lesão grave e de difícil reparação do seu direito de propriedade, sempre poderá recorrer a um procedimento cautelar. Este é um instrumento de tutela judicial de caráter urgente. requerido antes de proposta a ação principal. Naturalmente, o primeiro impulso de qualquer proprietário será o de contactar as autoridades policiais – e bem. Mas alertamos para o facto de que uma vez que se trata de um conflito de natureza privada, a sua intervenção limitar-se-á a registar a ocorrência e garantir a ordem pública, não lhes competindo proceder à remoção imediata dos ocupantes, uma vez que tal medida carece de decisão judicial própria. O Auto de Ocorrência lavrado poderá, ainda assim, servir-lhe não só como meio de prova, mas também como ponto de partida para eventuais meios adicionais. Dependendo das circunstâncias do caso concreto, sempre, da ocupação ilegal poderá resultar a prática de crimes contra as pessoas — como a violação de domicílio ou a perturbação da vida privada — ou mesmo contra o património - usurpação de coisa imóvel. Já sabe, a defesa do seu património merece confiança e rigor: consulte um Solicitador.