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A pandemia na mente dos mais jovens

Carolina Pereira
Saúde \ sábado, abril 17, 2021
© Direitos reservados
A pandemia teve um impacto significativo na saúde mental dos mais novos. Três jovens contam ao JdG de que forma foram afetados.

O tabu dissipa-se e o tema da saúde mental começa a ser mais partilhado, sobretudo pelos mais jovens. Ainda assim, a pedido de cada um dos protagonistas das próximas histórias, os nomes aqui referenciados serão fictícios.

A pandemia teve um impacto significativo na saúde mental dos mais novos, tal como o Jornal de Guimarães já abordou anteriormente. Mafalda e Inês, enquanto jovens adultas nos seus 22 anos, e João, com 10, contam ao JdG de que forma foram afetados.

Como eles, tantos outros tiveram necessidade de adaptar as suas rotinas à monotonia de casa com a chegada da pandemia a Portugal, em março de 2020. Num curto espaço de tempo, deixaram de presenciar aulas, ver os seus amigos e foram fechados em casa. Uma mudança abrupta, até porque, se por um lado, uma criança precisa de brincar com outras, um jovem adulto está na fase de construir a sua identidade, de ir à procura e de determinar o seu futuro.

“Desde criança que sou ansiosa. A minha psicóloga diz que tenho ansiedade porque no início isso foi banalizado”, Mafalda

“Desde criança que sou ansiosa. A minha psicóloga diz que tenho ansiedade porque no início isso foi banalizado. Eu tinha sintomas, mas não se sabia que era um problema", começa por contar Mafalda ao Jornal de Guimarães.

Foi em 2016, quando mudou de cidade por ingressar na universidade, longe de casa, que o seu quadro piorou e ganhou uma depressão por não se conseguir adaptar. “Não sei se foi a cidade ou se estar longe. Eu nunca quis ficar aqui, mas depois cheguei lá e era um mundo completamente diferente, foi muito repentino e não consegui aguentar. Não conseguia dormir ou comer. Acabei por implorar à minha mãe para me deixar desistir”.

Tomada a decisão de desistir desse curso e voltar à sua terra Natal, recebeu acompanhamento psicólogo e voltou, após um ano, ao ensino superior numa outra faculdade, numa outra cidade, onde já tinha alguns amigos a estudar e a viver. O cenário repetiu-se. “Quando fui para lá, mais uma vez não me estava a conseguir adaptar, só tinha flashbacks da outra cidade e por isso não estava bem. Tive amigos por lá que me ajudaram imenso, a psicóloga também, mas tive de começar a tomar medicação porque eu não dormia, continuava a não comer e depois comecei a ter muitos ataques de ansiedade.”

Nos anos seguintes, acabou por reencontrar alguma estabilidade, muito devido ao facto de viver com amigos próximos e a companhia deles a ajudar a abstrair-se. Porém, no mesmo ano em que se despede da cidade universitária que a bem recebeu, a quarentena é declarada e Mafalda voltou às paredes da sua casa, na terra natal. Foi nesse momento, em que precisava de tomar uma decisão sobre que mestrado seguiria no final da sua licenciatura, que se apercebeu de que estava limitada nas opções de escolha.

“Comecei a stressar. Eu coloco muita pressão em mim. Não são os meus pais, porque eles sempre foram muito tranquilos. E eu comecei a stressar porque não gostei do meu curso. E por não gostar do meu curso eu já pensava que não ia ser bem-sucedida, que ia ser uma treta, vou viver para sempre com os meus pais, não aguento isto. Fazia logo o filme todo completo. Ainda bateu mais na pandemia porque eu estando em casa só pensava nisso, no que não ia conseguir”, refere.

“O meu pai disse que eu podia tirar outra licenciatura e acabei por o fazer. E inscrevi-me num concurso que permite pessoas de outros cursos entrar naquele, e eu inscrevi-me e não entrei. Entrei em pânico. Senti-me inútil, só chorava, não saía da cama”, complementa Mafalda. 

Tempos depois, acabaram por a contactar para entrar no Mestrado a que se tinha candidatado. Por essa razão, pelas alternativas que teve de arranjar, Mafalda diz que a pandemia também “foi boa” porque lhe fez encontrar o seu caminho. 

“Mãe, eu tenho fome, mas não consigo comer”

Nas crianças, a ansiedade e a depressão podem ser mais difíceis de diagnosticar, dado que a maneira como se expressam é essencialmente através de comportamentos. Cristina, mãe de João, lembra o filho, antes da pandemia, como um menino de grande energia, que gostava de ir para a rua, falar com toda a gente a ponto de se pôr na varanda e cumprimentar os vizinhos que por lá passavam. Portanto, estava pouco habituado a estar fechado em casa. Foi no momento em que foi obrigado a isso que o  comportamento começou a mudar.

“Quando acabou a escola começou a não comer e não andar de bicicleta. De repente ficou com medos, quando antes era muito mexido e o que queria era andar de bicicleta", explica Cristina. "E por exemplo, ele adora sopa, mas só tem comido sopa ralada. Porquê? Engasgou-se com uma pele de feijão e uma de tomate e já não come feijão, nem tomate. Ficou assim com muitas paranoias. E ele sempre comeu muito bem. Mas, com esta questão, nós fazíamos a comida que ele adorava, ele chegava à cozinha todo animado e começava a não conseguir comer porque não lhe passava na garganta.”

Um dos fatores aconselhados por vários psicólogos e pedopsiquiatras é a permanência de rotinas. Em entrevista ao JdG, a pedopsiquiatra Virginia Rocha, do Hospital de Guimarães, explicou que, por não saírem de casa, as crianças desenvolveram uma certa preguiça na execução dos seus hábitos diários. Uma justificação na qual a mãe de João se revê. “Ele não é um menino que dorme até tarde. É aquele menino que acorda pelas 7h, até ao sábado. Só que ia para a avó e estava enfiado o dia todo, principalmente quando havia telescola. Acho que se acomodou. Habituou-se a andar muito à vontade em casa de pijama e agora tem preguiça do trabalho de vestir e calçar”.

A especialista refere também que o cenário possível no pós pandemia é a maior dependência de ecrãs. Motivo de queixa da maioria das mães já no presente. “Se há coisa que isto causou foi eles ficarem muito apegados ao telemóvel. Todas as mães dos colegas de turma dele têm-se queixado do mesmo: estão todo o dia no telemóvel. Antes não era assim, nem ele ligava muito aos ecrãs.”

Neste momento, a mãe sente que João está um menino mais parado, apesar de notar que os medos estão a passar desde que normalizou as suas rotinas, com a escola, mas anseia que volte a ser o mesmo menino independente e agitado que já foi.

“Tinha de me levantar, tentar ter uma vida e isso foi-me segurando”

Tal como Mafalda, o primeiro contacto de Inês com ataques de ansiedade ou de pânico foi pela altura em que entrou na universidade, aos 19 anos. “Quando as pessoas estão a ter um ataque de pânico, acontecem duas coisas em particular, que é ou ter medo de morrer ou estar a enlouquecer", confessou. "E comigo era mais essa. Porque, a morrer, descartei hipóteses porque, por exemplo quando tinha taquicardia, como eu fiz exames ao coração e estava tudo bem, sabia que acontecia derivado à ansiedade. E não tendo nenhum problema subjacente, portanto sei que à partida passa. Mas sinto dissociação, que é a sensação de que não estou no meu corpo, na minha cabeça. E isso faz-me muita confusão porque às vezes nem conseguia falar com as pessoas".

Para a jovem, o medo de engolir, assim como João, tornou-se algo frequente no seu dia-a-dia. “É uma coisa automática como a respiração, engolir a saliva. Eu deixei de conseguir engolir então deixei de conseguir comer e adormecer, porque sentia aflição.”. A acrescentar a isto, Inês começou a ter de realizar regularmente viagens em autoestrada o que lhe causavam ataques de pânico constantes.

“Um ataque de pânico ou ansiedade, por si só, causam medo. Como passaram a ser regulares desenvolveram mais medo, porque se anteriormente eu tinha um ataque e ele passava, como deixei de conseguir engolir e quando engolia engasgava-me, o medo passou a ser de engasgar e eu ganhei o hábito de cuspir. E falando com os psicólogos percebi que não podia fazer isso porque cada vez que o fazia, ganhava mais medo de engolir.”

Se a pandemia não tivesse surgido, Inês continuava a receber o acompanhamento psicológico e sentir-se-ia mais “suportada” e a resolver o problema de raiz. Com a pandemia deixou de ter esse apoio. “Foi com a morte de um amigo que descarrilou tudo e o facto de estar fechada em casa e não poder ter contacto social, com ninguém, fez com que eu ficasse submetida muito mais às coisas que se iam passando na minha cabeça.”.

Segundo um estudo realizado ao longo da primeira e da segunda fase da pandemia, da Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra, com duas centenas de participantes, o impacto da situação sanitária na saúde mental dos mais novos é significativamente negativo. Os número mostram que 14 % dos jovens apresentam sintomatologia depressiva elevada, mais do que os 8% registados durante uma auscultação semelhante na crise financeira de 2009-2014.

Mais recentemente, investigadores do site Life with Corona desenvolveram um estudo, publicado em fevereiro de 2021, que percebe que a pandemia criou uma maior probabilidade de apresentar níveis elevados de depressão em comparação a pessoas mais velhas.  

Para se estabilizar, Inês fez questão de ir respeitando os hábitos com os quais estava familiarizada. “O que me ajudou bastante foi durante o verão ter tarefas da universidade que me acalmaram, depois outra coisa que ajuda bastante são as rotinas, que felizmente fui obrigada a ter pelo contexto onde estava, em casa com família. Tinha horas de refeições, não podia ficar na cama por mais que não me apetecesse sair da cama. Assim tinha de me levantar, tentar ter uma vida e isso foi-me segurando”, assume.

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