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A pandemia está a criar mazelas na saúde mental de crianças e adolescentes

Carolina Pereira
Saúde \ quinta-feira, abril 08, 2021
© Direitos reservados
"O não haver uma data do fim acabou por os deixar ainda mais angustiados e com poucos recursos para lidar com estas exigências que lhes estamos a fazer do ponto de vista social”, diz pedopsiquiatra.

As restrições diminuem, as crianças e jovens começam a restabelecer as suas rotinas ao voltar às escolas e ao ter mais acesso ao ar livre, mas um raio de sol não recupera os destroços de uma tempestade passada. Depois de meses fechados em casa, a lidar constantemente com as mesmas caras e a monotonia que o lar pode oferecer, surgem birras, cansaço, frustração e desânimo. Problemas que tocam a todos, mas que podem ser mais desafiantes para a saúde mental dos mais jovens.

Virginia Rocha, diretora do serviço de pedopsiquiatria do Hospital Senhora da Oliveira, em Guimarães, revela que “o sentimento é de que este segundo confinamento está a ser muito mais complicado de gerir.”. “Dizem que na primeira vez estavam todos muito apreensivos e envolvidos nesta causa comum de proteção de todos. No segundo confinamento já vão acusando cansaço”. Juntam-se a isto queixas de que “a escola acabou por os sobrecarregar” e a falta de esperança.”. “Se no primeiro confinamento havia esperança de voltar, neste segundo andamos no “vamos ver quando” e o não haver uma data do fim acabou por os deixar ainda mais angustiados e com poucos recursos já para lidar com estas exigências que lhes estamos a fazer do ponto de vista social”.

A psiquiatra revela também existir uma maior procura do serviço no contexto infanto juvenil, “não só pelos pacientes que eram já seguidos e que viram muitas vezes o seu quadro agravado, como pelos casos novos de problemáticas, que quando nos chegam, já nos chegam de uma forma muito mais intensa.”. “Ou seja, temos tido uma maior afluência, não é brutal, mas é maior e com quadros mais complexos, que provavelmente se não tivéssemos numa situação de pandemia, nos chegariam numa fase mais precoce da evolução da situação clínica. Ou seja, os casos que aparecem são mais graves”, começa por explicar.

A pandemia não veio afetar apenas quem já poderia ser predisposto a doenças mentais. A crise sanitária alastrou-se e contribuiu para a crise económica, que por sua vez levanta preocupações e toca na crise social. Como? Começou-se a formar um ambiente propício aos danos mentais. “Os aumentos de consumo, desemprego, as dificuldades socioeconómicas são, por si só, um fator de risco para a doença mental para as crianças e adolescentes”. A diretora acrescenta que esta exposição a situações de maior tensão familiar, ainda para mais sem “os fatores protetores” disponíveis, como seria o ambiente escolar devido ao contacto com os amigos, ou a prática do desporto, acaba por desencadear a doença mental.

“As crianças ficaram sem as rotinas”

Com o fecho dos espaços de ensino, os mais novos ficaram com os horários desregulados. Horas de deitar, acordar ou tomar pequeno-almoço mais incertas, já que poucos sentiram a necessidade de se vestir e arranjar pela manhã e isso estimulou o ficar mais tempo na cama. O isolamento eliminou a dinâmica proativa que se espera no quotidiano de um jovem. Esse é um dos pontos que Virginia Rocha vê como problema. A falta de rotina. “Com o isolamento, as crianças viram a estrutura familiar e as rotinas a ficarem menos organizadas. Aqueles marcadores fisiológicos e marcadores de tempo deixaram de existir de um momento para o outro, o que causa muito mais insegurança”.

Outro dos fatores, tem a ver com a exposição às notícias devido à “tanta informação e contrainformação, que muitas vezes é confusa. Mais a exposição aos números da doença e a forma como esta é passada a nível de contágio. Depois a inconsistência dos comportamentos dos adultos que os rodeiam, uns avós ou uns pais cumprem as regras, os outros não cumprem. Tudo isso causa ansiedade nos menores”.

Outra consequência do confinamento é a quantidade excessiva de horas que os mais novos ficam expostos aos ecrãs, que embora não substituam os amigos, criam um efeito atenuante, já que é o recurso para contactarem entre si. Porém, a psiquiatra compreende ser “um fator ansiogénico” e que desencadeia outras pressões e complexos porque as crianças e adolescentes ficam mais expostos “à crítica, à tal desinformação, o que os deixa, mais uma vez, inseguros”. Inseguranças com as quais lidariam melhor se tivessem um contacto mais frequente com o grupo de amigos que “é muitas vezes o fator protetor para que os seus medos e receios não sejam validados. Agora, quando estamos mais sozinhos os nossos medos não têm como ser discutidos”. Além disso, o desporto. “A prática do desporto, também ficou aqui muito comprometida e também acaba por causar desconforto, mau estar físico até. A prática de exercício físico é um bom ansiolítico”.

Virgínia Rocha diz que é no pós-pandemia que se poderá perceber o estado mental de cada um, já que “com o regresso à escola, a normalização, as estruturas comunitárias a funcionar como o desporto, catequese, escuteiros, tudo isso serve para perceber se a criança está bem, ou não”. É nesse momento que “a avalanche” e “tudo o que pode identificar as situações mais complexas “ estarão “mais ativados”.  No entanto, o cenário que se prevê é de que a criança possa ficar “mais inibida”. A profissional  aponta que se espera “mais ansiedade de separação, mais ansiedade social, mais dependência de ecrãs e mais quadros de luto patológico”.

Como pode o adulto ajudar o jovem

Quando se pergunta a esta psiquiatra quais são os sinais de alarme que os pais devem ter em conta no comportamento da criança ou adolescente, Virgínia Rocha alerta para o maior isolamento para  “eles evitarem por exemplo os momentos em família, as alterações da rotina no sono, irritabilidade, tristeza fácil, alterações das dietas alimentares, o não falar, partilhar dietas, tudo isso são sinais de alarme que muitas vezes podem estar na origem de patologias. Podem depois criar um quadro clínico no seu conjunto”.

A psiquiatra deixa alguns conselhos aos cuidadores e conta que “além de manter a estrutura e a rotina, devem manter também a proximidade.”.” A pandemia também trouxe alguns desafios a que os pais também corresponderam, não é? Os pais estão muito mais aplicados no acompanhamento escolar dos filhos, muito mais competentes.”. Além disso, Virginia Rocha acredita que a pandemia permitiu aos pais compreender melhor como comunicar com os filhos e entender os seus limites. “Ou seja, falar, partilhar, pedir (ao jovem) para nos falar. Às vezes não é preciso falar sobre o que está a acontecer, ou perguntar diretamente “como te sentes?”, porque isso pode parecer quase agressivo para um adolescente. Mas, antes falar sobre um filme, uma série. Só isso vai-nos permitir que a criança encontre esse espaço também para falar de si própria”.

Quanto ao jovem, deve falar e pedir ajuda, “sempre pedir ajuda”.

Há uma maior preocupação e abertura para com a saúde mental

De facto, a pandemia abriu caminho para o debate sobre saúde mental. Nunca se viu tanta abertura e sensibilidade para falar sobre emoções e sentimentos. “Há uma maior partilha de testemunhos e falar sobre saúde mental também é um desestigmatizar do tema, porque permite às pessoas pensarem que podem ter ajuda e falar sobre isso sem serem estigmatizadas e sem ser apontadas como diferentes. Não ter medo de pedir ajuda, nem achar que é “porque estou maluquinho” já é um grande passo da consciência moral e crítica e social da população”. Virginia Rocha acrescenta que mesmo no hospital de Guimarães, tem havido um investimento na saúde mental, e que a estrutura se tem mostrado sempre disponível para as solicitações que os médicos fazem. 

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