skipToMain
ASSINAR
LOJA ONLINE
SIGA-NOS
Guimarães
01 dezembro 2024
tempo
18˚C
Nuvens dispersas
Min: 17
Max: 19
20,376 km/h

Amália "aconteceu-nos": obra mostrou a Guimarães "uma mulher transcendente"

Pedro C. Esteves
Cultura \ sábado, outubro 09, 2021
© Direitos reservados
Miguel Carvalho escreveu Amália – Ditadura e Revolução com o intuito de "humanizar" um vulto. Agora, Guimarães ficou a conhecer melhor a "estranha forma de vida que se escondia atrás dos palcos".

Em outubro de 1999, meses depois de ter recebido o Prémio Nobel da Literatura, José Saramago conversava, em Paris, com Pierre Moscovici. Na véspera da condecoração atribuída pelo estado francês, é noticiada a morte de Amália Rodrigues. O escritor presta declarações e diz algo como: “A realidade é mais complexa do que parece. Essa mesma Amália que diz que era celebrada pelo salazarismo, fazia chegar dinheiro ao PCP”. Sem o saber, “Saramago deu o mote para que um jornalista atento anotasse algo, uma espécie de ponto de partida”, enquadra o sociólogo Esser Jorge Silva. “Fez despertar uma intuição que devia ser investigada: a vida de Amália e do fado”, juntou.

Esse jornalista foi Miguel Carvalho, que, nesta sexta-feira, esteve em Guimarães para apresentar o resultado da viagem pela história da mulher e fadista – e explicar “a importância de nos ter acontecido Amália”, indicou. Está tudo plasmado nas cerca de 600 páginas do livro Amália – Ditadura e Revolução A história secreta editado no ano passado. Curiosamente, Guimarães seria palco, depois de Lisboa, da segunda apresentação oficial da obra. A pandemia atrasou os planos, que acabaram por se concretizar com a ajuda do Gabinete de Imprensa de Guimarães e da Biblioteca Municipal Raul Brandão.

Foi precisamente na instituição sita no Largo Cónego Maria Gomes que Miguel Carvalho lembrou aquele dia em que Saramago “levanta um véu” que abria caminho a futuras explorações. “A ideia de fazer algo surgiu logo nos dias a seguir [à morte de Amália]. Portugal inteiro reivindicava-a quando morreu e eu fiquei fascinado por esta estranha forma de vida que se escondia atrás dos palcos, das luzes”, explicou o grande-repórter da revista Visão.

Numa sala com poucos lugares vazios, os vimaranenses acorreram ao repto de conhecer mais acerca de uma “mulher transcendente”. De alguém que “não cabe em molduras” onde várias vezes tentaram a tentaram encaixar. De uma figura que “reclamava há muito um olhar jornalístico sobre o seu percurso à luz do Estado Novo, da Revolução e construção da democracia”. Estão patentes no livro “facetas, histórias marginais que foram sendo esquecidas” de uma figura "ainda pouco estudada pela academia".

Com a obra, Miguel Carvalho tentou “iluminar as brumas” de um percurso menos conhecido – e não poucas vezes “segredado”. E desmistificar uma Amália “que ainda é de incensos, divinizada, sempre acima da nossa altura”. Uma das missões do jornalista era “humanizar” e “resgatar das sombras uma voz “acusada acusada de se ajoelhar à ditadura” – e que nunca se libertou desse “desgosto” até ao fim dos dias.

“Venceu preconceitos, invejas, carimbos. Não tenho ilusões: a ditadura exportou a Amália e Amália aceitou ser tratada como produto de luxo do regime, mas acho que não legitima preconceitos”, vincou. Até porque se isso é verdade, também é que “nos bastidores ajudou a resistência, soube iludir vigilâncias e amarras, ajudou famílias, acudiu antifascistas”, enquadra o jornalista.

Os dois atores do livro

E tudo isto é contado através de “uma escrita jornalística detalhada”, assinalou Esser Jorge. No entender do sociólogo e antigo presidente do Gabinete de Imprensa de Guimarães, o livro “acompanha-nos” e enaltece Amália Rodrigues como um “Facto Social Total”, na medida em que “consegue abarcar a totalidade da sociedade portuguesa” desde os anos 30.

Miguel Carvalho também acaba por trazer a terreiro o percurso atribulado do fado na década de 80 e nos anos que se seguiram à Revolução dos Cravos, considera Esser Jorge. De género “ostracizado” – as associações ao Estado Novo e à longa noite que toldou Portugal eram prementes neste período – ao reconhecimento como Património Imaterial da Humanidade, o fado acaba por ser “um dos atores do livro”. A atriz é sempre Amália.

Podcast Jornal de Guimarães
Episódio mais recente: O Que Faltava #85