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Cineclube mostra a história de como, torre a torre, uma comunidade ruiu

Pedro C. Esteves
Cultura \ segunda-feira, setembro 19, 2022
© Direitos reservados
O realizador André Guiomar – que nasceu no Porto, mas vive em Guimarães – mostra "A Nossa Terra, O Nosso Altar", documentário que testemunha as últimas rotinas dos habitantes do bairro do Aleixo.

2013, Bairro do Aleixo. Uma comunidade via memórias e rotinas desmoronarem à medida que as torres que circundavam aquela “ilha” ruíam. Nesse ano André Guiomar estava lá, a fazer uma ficção de Luís Vieira Campo. Percebeu que havia uma “urgência muito grande”, uma necessidade de documentar uma “sociedade que vai desaparecendo à medida que o processo de gentrificação se intensifica”. Nove anos depois de ter entrado no Aleixo, agora um lugar ermo, vazio, estreia o documentário A Nossa Terra, O Nosso Altar, que chegou a salas comerciais de cinema, depois de um circuito por festivais.

O realizador nascido no Porto, mas residente em Guimarães – fez também trabalho de produção em Aos Dezasseis, curta do vimaranense Carlos Lobo selecionada para o Festival de Berlim – explica que quando começa a documentar o quotidiano do bairro “já ia atrasado”. “Quando conhecemos o bairro duas das cinco torres já tinham sido demolidas. Foi tudo muito urgente”, ressalva André Guiomar. Descobriu uma série de famílias que compunham “uma comunidade muito singular, muito íntima, com um sentido de pertença ao lugar muito forte”.

“Ainda encontrei o Porto dos meus avós, que é algo que nos escapa agora, altura em que as grandes metrópoles vão crescendo, ricas e limpas. A limpeza para o poder é sempre desaparecer com os pobres e tornar o mais classe média-alta possível. E o Porto vai sendo cada vez menos Porto e eu ali ainda encontrei essa comunidade”, explica o realizador ao Jornal de Guimarães.

O filme tem dois grandes capítulos: um de 2013 até à passagem de ano de 2014, o outro em 2019, altura em que os habitantes tiveram de abandonar as suas casas. “Tive vários momentos em que não sabia o que fazer com as imagens. Falávamos muitas vezes sobre isso: sabíamos que íamos acabar, mas não quando, como e em que condições”, refere o realizador. André Guiomar parte para Moçambique em 2014. Espera notícias ou telefonemas a dar conta de que as cartas de despejo tinham começado a chegar. Seis anos depois, a vida do bairro está mesmo perto de expirar. Nessa altura, o realizador que está neste momento a trabalhar na segunda longa documental já está em Portugal.

 

 

 

“Os pobres não têm direito a olhar para o rio”

 

André Guiomar também testemunha dois estados de espírito diferentes no Aleixo. Se em 2013 havia “uma necessidade de representação dos últimos momentos do bairro” – “Queriam que estivesse presente no último dia do ATL ou do cabeleireiro”, pontua –, essa necessidade latente de documentar esfuma-se seis anos mais tarde, quando “a sensação de pertença vai desaparecendo” e a vida das pessoas está em suspenso.

O filme produzido pela Olhar de Ulisses e pela Cimbalino Filmes foca-se em duas grandes famílias obrigadas a aceitar o fim da sua comunidade. André Guiomar foi construindo, aos poucos, relações de amizade com os habitantes do Aleixo. Os primeiros momentos são “sempre difíceis”. Através da rodagem de Bicicleta, de Luís Vieira Campo, André abriu uma porta para a vida destas pessoas. “A presença constante no Aleixo era muito delicada, porque aquelas pessoas estavam muito massacradas pela comunicação social. Uma câmara e tripé era sinónimo de alguém que chegava, sugava a energia e informação, editava e aproveitava apenas a parte criminal, todo um lado de negatividade sobre a própria comunidade”.

A certa altura, Luísa Ferreira, que André acompanha desde o início do filme, escreve numa parede: “Os pobres não têm direito a olhar para o rio”. Exemplo de como as famílias usavam a câmara para “revolta, como meio de poder” para chegar aos centros de decisão. É o cinema como possibilidade de comunicação.

A Nossa Terra, o Nosso Altar passa no Cineclube de Guimarães terça-feira, dia 20, no Pequeno Auditório do Centro Cultural Vila Flor. A sessão vai contar com a presença de André Guiomar. O filme ainda está em exibição no Cinema Trindade, sete semanas depois de ter estreado.

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