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Do “peso do coração” extrai-se uma peça de corpo inteiro, mas incerto

Tiago Mendes Dias
Cultura \ quinta-feira, outubro 07, 2021
© Direitos reservados
Em palco, seis personagens buscam harmonia, mas os sucessivos movimentos que ora os juntam, ora os afastam, sugerem confusão emocional e preconceito. “1/2 kg de carne” estreia esta sexta-feira.

Vermelhos: a cenografia, os figurinos, o meio quilo de carne que pesa o coração e inspira um teatro com a urgência de “relembrar o quão importantes são as bases da estabilidade emocional”, num tempo em que se “desestruturam”. O peso mencionado no título da peça em estreia absoluta esta sexta-feira, no Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor (CCVF), é literal, mas também simbólico, adianta a encenadora Rafaela Santos.

“O peso do coração costuma ser, mais ou menos, meio quilo de carne. Temos de realçar a importância desse peso a que não ligamos muito. É um lado simbólico que queríamos enaltecer e ampliar”, refere a codiretora artística da Amarelo Silvestre, companhia sediada em Canas de Senhorim (distrito de Viseu), que coproduziu o espetáculo com A Oficina.

O ensaio de imprensa decorrido na quarta-feira foi vislumbre para uma obra de arte desenrola-se numa tensão entre o desígnio de “viver em comunidade” com “o desentendimento, o conflito, a vingança”, espelhados nos sucessivos movimentos dos seis intérpretes: tanto formam uma linha irrepreensível, como logo a seguir deambulam sem norte ou em busca de um antagonismo. A primeira frase corporiza ainda mais a desorientação dos intervenientes: “Na verdade, não sei porque ando tão triste”.

Essa é uma das 10 expressões que “1/2 kg de carne” recruta em “O mercador de Veneza”, uma obra de William Shakespeare que causa interpretações controversas quanto à representação de Shylock; há críticos literários que veem na comédia shakesperiana uma representação positiva do judeu, enquanto outros apontam para traços negativos que podem incentivar posturas antissemíticas. Explorada na peça da última década do século XVI, as diferenças sociais também estão inscritas na encenação de Rafaela Santos.

“As ressonâncias do texto de Shakespeare são aqui abordadas de forma muito sucinta, rarefeita, simbólica. Quisemos inspirar-nos nesta obra, porque as temáticas centrais são muito fortes e hoje ainda mais: intolerância, racismo, xenofobia, ‘bullying’. Também se aborda as complicações que o amor não assumido traz”, explica a criadora.

Frases como “tu levas este mundo muito a peito” ou “o lucro é uma bênção se não for um roubo”, “sucintas mas repetidas”, podem suscitar a reflexão sobre uma contemporaneidade em que se tem “tudo ao mesmo tempo”, e “sempre da mesma forma”. “Isso é também uma forma de não sermos livres. Essa tentativa de uniformização castra-nos a individualidade e a liberdade de sermos diferentes”, acrescenta.

A peça criada por Rafaela Santos, com o apoio dramatúrgico de Fernando Giestas, o outro diretor artístico da Amarelo Silvestre, conta com a interpretação de Haroldo Ferrari, ator brasileiro que já integrou a companhia de Canas de Senhorim, e ainda de Luísa Maria, Mário Alberto Pereira, Rita Morais, Sara Costa e Zé Ribeiro, elementos do Gangue de Guimarães, projeto criado em 2017 para cartografar os artistas com ligação à cidade-berço.

Depois da estreia, agendada para as 19h30 de sexta-feira, o espetáculo será novamente exibido no Grande Auditório do CCVF sábado, a partir do mesmo horário.

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