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Plural nas estéticas e nas latitudes, Guimarães Jazz também chama jovens

Tiago Mendes Dias
Cultura \ segunda-feira, novembro 20, 2023
© Direitos reservados
Ao ver um programa mais exigente bem recebido, o programador Ivo Martins destaca que “as pessoas estão sedentas de coisas boas”. Rui Torrinha sublinha a criação de vínculos em tempos de mudança.

A multidão, unânime, levantou-se pela segunda vez para aplaudir Kathrine Windfeld, a big band que a acompanha e os solistas Gilad Hekselman (guitarra) e Immanuel Wilkins (saxofone); a plateia que encheu o Grande Auditório Francisca Abreu, no Centro Cultural Vila Flor (CCVF), já se levantara pela primeira vez assim que se desvaneceram os últimos sons de “Orca”, sob comando de uma pianista e compositora que assumia a pele de maestrina no final de cada uma das oito peças apresentadas.

Parte dessa multidão migrou para o café-concerto do CCVF, lotando-o; era a última oportunidade para assistir a uma jam session dos Landlide Plus One, quinteto residente da 32.ª edição do Guimarães Jazz, que dera um concerto no Pequeno Auditório nesse mesmo dia e orientara jovens músicos nas oficinas de jazz. A praça coberta foi o palco transitório onde magotes de pessoas trocavam impressões sobre aquilo a que se assistiu entre 09 e 18 de novembro na cidade-berço. Entre eles, encontravam-se o diretor artístico da cooperativa A Oficina para as artes performativas, Rui Torrinha, e o programador do festival, Ivo Martins.

“Não demos vida fácil ao público, e acho que as pessoas reagiram bem. A quantidade de público até superou a do ano passado. O festival do ano passado já era interessante e, neste ano, apresentando propostas mais exigentes, com mais critério e dificuldade em termos de assimilação, sentimos que há boa reação das pessoas”, descreve o programador, expressando a convicção de que as pessoas estão “sedentas de coisas boas”.

A noite de sábado foi o culminar de uma segunda semana que arrancou na quinta-feira, com meia casa para assistir ao fruto da colaboração entre a Orquestra de Guimarães e o quarteto do baterista Mário Costa, que prosseguiu na sexta, com lotação quase cheia para ver Buster Williams, referência entre os contrabaixistas do século XX, num espetáculo em que os restantes instrumentistas também sobressaíram, e que, no sábado, enveredou pela diversidade, começando, por exemplo, com Elliot Sharp e o seu trabalho que cruza o jazz, a eletrónica e a antropologia, a escolha do projeto Sonoscopia para este ano.

O leque de propostas da 32.ª edição tenta precisamente espelhar um anseio de diversidade, considera Rui Torrinha. “Uma das coisas importantes que o festival demonstrou mais uma vez na sua grande vitalidade é a diversidade de propostas e o arrojo que tem. É muito invulgar no panorama nacional e, mesmo a nível internacional, ver esta capacidade que o Ivo tem em colocar a diversidade num programa com arrojo e a forma como o público responde”, crê.

A ideia de espelho também pode definir a comparação entre o arranque e o encerramento do festival: ambos se deram com big bands, as formações mais extensas do jazz, com uma secção de trombones, outra de trompetes e ainda uma de saxofones, a complementar a secção rítmica – piano, contrabaixo e bateria. Se a Vanguard Jazz Orchestra, símbolo de Nova Iorque e referência da segunda metade do século XX, evoca as vicissitudes da vida noturna ou os pequenos senãos da vida quotidiana numa metrópole a fervilhar de energia, em trocas constantes de ritmos, a Kathrine Windfeld Big Band evoca experiências universais do que é ser-se humano, partindo de elementos naturais e até cósmicos – duas das peças intitulavam-se “Júpiter” e “Aldebaran”, uma estrela a 65 anos-luz da Terra; infinitamente longe, portanto.

Pontuada pelos diálogos da guitarra de Hekselman e do saxofone de Wilkins, a música de Windfeld podia ser sóbria, tocando a formalidade da música clássica europeia para evocar a sensação amarga de deixar algo para trás e iniciar uma nova etapa - "We will depart" - ou de ameaça – “Undertow”.

Ouvidos os últimos ecos do saxofone e do contrabaixo, do piano e da bateria, Ivo Martins crê que este Guimarães Jazz cumpriu o desígnio de ser “plural, aberto, horizontal”, fugindo à tentação de ter “grandes vedetas” numa noite e de ter um programa inferior nos outros dias. “Queremos harmonias. Queremos uma proposta que funcione como um bloco e exponencie”, disse, enaltecendo a vocação agregadora de uma iniciativa com “pessoas que pensam de maneira diferente, com a sua individualidade” e se cruzam para criar “alguma coisa de diferente”.

 

CCVF praticamente esgotado no concerto de encerramento © Paulo Pacheco

CCVF praticamente esgotado no concerto de encerramento © Paulo Pacheco

 

“Um público jovem que começa a aparecer e a integrar-se”

Fundado em 1992, o Guimarães Jazz alimenta-se dos aficionados que seguem o festival há anos, mas é cada vez mais frequente verem-se caras jovens na plateia, entre músicos e apreciadores. Rui Torrinha descreve a circunstância como “interessante num tempo em que os vínculos são difíceis de conseguir”. “Nota-se uma transversalidade de faixas etárias, de um público mais velho, informado, mas também de um público jovem que começa a aparecer e a integrar-se”, resume.

Uma das causas para essa crescente presença jovem são os projetos colaborativos do Guimarães Jazz – Associação Porta-Jazz, ESMAE, Centro de Estudos de Jazz da Universidade de Aveiro, Orquestra de Guimarães e Sonoscopia -, que “despertam uma relação forte com o festival” e o impulso para pensar no projeto do ano seguinte assim que cada edição termina. “Há âncoras que ficam. Essas parcerias criam uma diferenciação na promoção do talento em Portugal. O festival contribuiu decisivamente para a alteração da paisagem do jazz em Portugal”, considera o responsável d’A Oficina.

Convencido de que o Guimarães Jazz é “um lugar de encontros, cruzamentos e cumplicidades”, Rui Torrinha diz-se feliz com uma edição que serviu de teste “em tempos de mudança acelerada”.

Ao lado, Ivo Martins também lança um olhar positivo sobre o festival recém-concluído, mas lembra que cada “festival parte do zero”. “O que aconteceu bem não garante que o próximo ano vá ser melhor ou pior. Isto tem lógicas em que não vale a pena estarmos com ilusões de que este ano foi um sucesso e isso vai continuar. Temos sempre de partir do zero, no sentido da procura, da busca, de uma ideia, de uma capacidade de juntar muitas coisas”, perspetiva.

 

O quinteto Landline Plus One, numa das jam sessions protagonizadas no Convívio © Paulo Pacheco

O quinteto Landline Plus One, numa das jam sessions protagonizadas no Convívio © Paulo Pacheco

 

Jam sessions com "muito boa afluência"

O espaço era pouco para acomodar todos aqueles que queriam ver a última jam session dos Landline Plus One, mas as anteriores foram também concorridas, quer no café-concerto do CCVF, quer na sede do Convívio, o lugar em que o jazz se estendia madrugada fora na primeira semana. 

Agradado com o "cartaz muito bom" da 32.ª edição, o presidente do Convívio, Carlos Jordão, louva a energia do quinteto que por ali passou - "tinham muita vontade de tocar e pediam para começar logo que chegavam” -, e ainda a predisposição de outros músicos do festival para ali estarem: assim aconteceu no dia de abertura, 09 de novembro, com a Vanguard Jazz Orchestra, e no dia 11, sábado, com o septeto de Michael Formanek. 

“As jams correram muito bem. Os espetadores e os músicos gostaram muito. As jams tiveram muito boa afluência e foram um momento de partilha", frisa o dirigente.

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