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“Lisboa, que sempre teve lanceiros, nunca os acarinhou como Guimarães”

Redação
Sociedade \ segunda-feira, julho 03, 2023
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Quatro anos depois da fundação, os sócios são mais de 300 e o museu, com mais de duas mil peças, atrai visitantes. Espaço para viaturas militares é objetivo de instituição ligada à Polícia Militar.

A “qualidade” aplicada pela comissão de Guimarães nos encontros nacionais de lanceiros e o “carinho” dos vimaranenses colocaram em marcha uma associação nacional, fundada a 29 de maio de 2019. Quatro anos depois, os sócios são mais de 300 e o museu, com mais de duas mil peças, atrai visitantes. Espaço para viaturas militares é objetivo de uma instituição que guarda a memória da Polícia Militar e da Polícia do Exército.

 

Como se deu o impulso para a criação da Associação Veteranos Lanceiros de Portugal (AVLP) tal como a conhecemos?

Foi uma bola de neve. Desde 2013, quando nascemos como Comissão de Lanceiros PM/PE – Guimarães, estivemos em vários eventos, como em guardas de honra no 24 de Junho, a convite da Câmara Municipal de Guimarães. O próprio Exército Português e o Regimento de Lanceiros N.º 2, na Amadora, motivaram-nos a criar uma associação, não de nível local, mas nacional. Em 2018, começámos a tratar da parte burocrática e, em 2019, nasce a Associação de Veteranos Lanceiros de Portugal (AVLP), em Guimarães.

 

Disseram, aquando da constituição da AVLP, que a escolha de Guimarães se deveu ao “desempenho de excelência” da comissão. Havia mais comissões de lanceiros no país?

Não havia mais comissões.  Havia encontros esporádicos de lanceiros.  Sem querer denegrir a imagem desses encontros, havia alguma falta de qualidade e dignidade no que era feito. Tentámos imprimir qualidade. Isso aconteceu logo em 2014, no 7.º Encontro Nacional de Lanceiros – Polícia Militar (PM) / Polícia do Exército (PE), em Guimarães. Recebemos centenas de pessoas. Foi uma decisão unânime criarmos aqui a associação, porque marcámos pela diferença. A própria cidade também marcou pela diferença. A forma como os vimaranenses acarinharam os lanceiros e a história dos lanceiros foi uma coisa anormal. Inclusive Lisboa, que sempre teve lanceiros, nunca os acarinhou como Guimarães.

 

Quantos sócios tem a AVLP?  São de todo o país? 

Já ultrapassámos os 300 associados. São todos antigos militares da PE ou da PM. Alguns estão emigrados.  A associação criou uma forte ligação com esses emigrantes. Vamos enviando merchandising e lembranças. As redes sociais são uma excelente ferramenta para o crescimento da nossa associação. Há pouco tempo, estivemos com a senhora ministra da Defesa [Helena Carreiras], que reconhece o trabalho da nossa associação.

 

Criada a associação em 2019, é inaugurado o Museu da Casa do Lanceiro em 2021. O seu acervo estava já em Guimarães ou provém de outros pontos do país?

90% do material veio do museu militar particular de Cláudio Monteiro, em Vila da Feira. Em boa hora, ele decidiu, juntamente com a AVLP, trazer este espólio fabuloso para Guimarães. Depois há material de alguns lanceiros oferecido à associação.  E há material adquirido pela AVLP através de mecenas ou da quotização dos sócios.

 

A AVLP apresentou, no quarto aniversário, capacete de oficial de cavalaria utilizado em 1888 pelo então príncipe D. Carlos, depois rei. Detém igualmente uma espada rara da monarquia. Há outras raridades que gostaria de exibir no museu?

Estamos a negociar um capacete de lanceiros da Primeira Guerra Mundial. Estamos em conversações com um antiquário que tem essa peça e vamos fazer tudo para trazê-la para Guimarães.

 

Através das redes sociais, a AVLP publicita regularmente os eventos que organiza e as visitas ao museu? Há cada vez mais gente a visitá-lo?

Tem vindo cada vez mais gente.  No ano passado tivemos 600 visitantes. Neste ano, já ultrapassámos largamente esse número, olhando a maio. Estamos a iniciar uma negociação com a Câmara para que isto seja aberto diariamente.  Estamos a abrir ao fim de semana, por marcação de visitas. Tivemos a exposição das bicicletas militares antigas e fomos literalmente invadidos por turistas que estavam na Colina Sagrada.  Temos o cuidado de, ao fazer as visitas guiadas, transmitir oralmente a história de cada peça. Devemos ter pelo menos duas mil, considerando as insígnias. Vão ser todas identificadas e datadas. É o trabalho que segue.

 

Face à crescente visibilidade e à intenção de albergar mais peças, a AVLP equaciona alguma vez mudar de instalações ou ampliar as atuais?

No futuro, queremos ampliar o espaço. Estas instalações são-nos cedidas por protocolo pela Santa Casa da Misericórdia de Guimarães. Caso necessite do espaço, a prioridade é para as obras sociais da Santa Casa.  Mas temos a promessa do provedor Eduardo Leite de que já fazemos parte da Santa Casa. Queremos manter-nos neste espaço. É importante recebermos viaturas militares através de um protocolo com o Exército. Este parque de estacionamento [da Santa Casa] pode eventualmente ser adaptado para receber viaturas icónicas de forma permanente: uma chaimite, um carro de combate, uma peça de artilharia.

 

Além da peça da Primeira Guerra Mundial e do espaço para veículos militares, há mais iniciativas projetadas pela AVLP, até em interação com a comunidade, como acontece com o passeio de bicicletas militares antigas?

Vamos criar um evento que nos vai reportar para o passado, de que os vimaranenses vão gostar. Faremos os possíveis para ser neste ano. O projeto vai ser apresentado brevemente ao Município de Guimarães. Os vimaranenses, mais do que ninguém, merecem um tratamento diferenciado da nossa associação, porque adotaram-nos e acarinharam-nos. Queremos continuar a mostrar a história dos lanceiros à comunidade, não esquecendo o resto do país.

 

Uma força criada para ser “exemplo” com raiz monárquica

Sem se limitar à memória lanceira – afinal o visitante pode contemplar um telégrafo da Primeira Guerra Mundial ou capacetes aliados da Segunda Guerra Mundial -, o Museu da Casa do Lanceiro atravessa os 190 anos do Regimento de Lanceiros N.º 2, fundado durante a Guerra Civil Portuguesa, pelas forças liberais, como força de elite de proteção à então princesa D. Maria da Glória – depois rainha D. Maria II, que viria a elevar Guimarães a cidade em 1853.

Em janeiro, a AVLP recebeu, aliás, a Comenda Honorária da Ordem Militar de São Sebastião dita da Frecha, distinção atribuída pelo ramo de Loulé da Casa Real Portuguesa. O momento afirma uma ligação à monarquia que hoje é simbólica. “Somos uma associação apolítica. Temos sócios de todas as correntes políticas e ainda bem que assim é, porque vivemos em democracia”, realça Fernando Rego, lanceiro de 49 anos que esteve na Calçada da Ajuda, antes de o regimento se mudar para a Amadora em 2015.

Sempre operacional através das mudanças de regime político, o regimento encarregou-se, na década de 50 do século XX, de criar a Polícia Militar em Portugal. A sua denominação mudou para Polícia do Exército (PE), em 1976, como uma “espécie de penalização” para os lanceiros, os “últimos a aderirem ao movimento do 25 de Abril” entre as Forças Armadas. Hoje, os lanceiros ocupam-se da segurança de figuras cimeiras na hierarquia política e militar, em Portugal ou no estrangeiro, fazendo ainda as guardas de honra aquando das visitas de chefes de Estado. “É uma força de controle, de disciplina, que tem de ser exemplar, inclusive na forma como se uniformiza. Um PE tem de ser um exemplo”, reitera o presidente da AVLP.

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