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“Não devemos deixar cair a indústria têxtil. É o coração desta região”

Tiago Mendes Dias
Economia \ sexta-feira, setembro 30, 2022
© Direitos reservados
Pedro Arezes sugere que Guimarães deve, ao mesmo tempo, elevar o setor têxtil ao “maior valor acrescentado possível” e diversificar a economia, com apostas na informática e talvez no aeroespacial.

Natural de Barcelos, o presidente da EEUM vive há quase 30 anos em Guimarães, concelho em que a indústria têxtil permanece como motor da economia – mais de 60% das exportações vimaranenses estão associadas ao setor, por exemplo. O investigador frisa que o território deve preservar a existência da indústria tradicional, mas não a forma; sugere que as empresas devem procurar cada vez mais o “valor acrescentado” para elevar os salários dos trabalhadores e deixá-los menos expostos a crises. Por outro lado, vê margem para Guimarães apostar no setor aeroespacial, até na sequência da recém-criada licenciatura, e na informática, falando ainda dos papéis do futuro supercomputador e da academia de transformação digital.  

 

Há mais projetos no território com contributo da EEUM – o supercomputador no Avepark, ou a academia de transformação digital, em Pevidém. Que valor acrescentam esses projetos?

A EEUM está muito envolvida em todos esses projetos. No supercomputador, embora seja uma iniciativa desenvolvida pela UMinho, o financiamento é sobretudo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da Fundação para a Ciência e Tecnologia. É um equipamento que vai servir o país. Está localizado cá, o que significa que o acesso é mais fácil, mas também tínhamos acesso se estivesse no Algarve. Se o equipamento estivesse no Algarve, também poderíamos trabalhar com ele. A Ciência dos Dados vai ser um grande cliente desse equipamento; são esses grandes computadores que conseguem trabalhar essas massas alargadas de dados e dar resultados em tempo útil. É muito oportuno que aconteça perto e a UMinho esteja envolvida.

 

E a academia digital, a que fins se propõe?

Embora seja um projeto da Câmara, que visa outros objetivos mais genéricos – uma transição digital que se aplique a todo e qualquer munícipe que queira aprender um pouco mais sobre informática -, numa componente mais ligada à EEUM gostaríamos que o projeto pudesse incluir mais componentes. Além da academia digital, estará na fábrica do Alto o DTx CoLab, de transformação digital, e o nosso laboratório de manufatura avançada juntamente com a Bosch, o Done Lab; não sei ainda se vai ser completamente transferido. A ideia é que o seja completamente, mas pode ficar com um espaço satélite no campus, que permita uma ligação mais célere aos alunos.

 

A Câmara insiste que a digitalização é fundamental para as empresas. Olhando para o tecido empresarial de Guimarães e de municípios vizinhos, quais são as principais necessidades?

É importante perceber as necessidades das empresas ao nível da digitalização, que é um pouco o que o laboratório colaborativo DTx já faz com os seus parceiros. É preciso perceber o que se transforma nos processos industriais físicos com a chamada Indústria 4.0; em muitos casos, passam a ciberfísicos, porque têm instalações deslocadas, com as ligações a darem-se através de sensores, sem pessoas. Os processos são cada vez mais imateriais; deixam de estar no papel. As máquinas comunicam umas com as outras. Não quer dizer que deixem de existir empresas: os processos físicos têm de ser feitos, mas são feitos de forma totalmente diferente. Não são à base da força de braços, mas de uma arquitetura digital que permite que aquilo que era feito por 100 pessoas seja feito por 10.

 

As empresas da região estão avançadas nessa transformação?

Diria, sem muito erro, que 99% das empresas já adotaram uma forma qualquer de digitalização. Uma empresa que tenha um computador, com um processo contabilístico informático, já tem uma forma de digitalização. Obviamente que não é nisso que estamos a pensar quando falamos de indústria 4.0 e da Internet das Coisas. Mas mesmo uma empresa pequena começa a ter as suas áreas ligadas. As compras, quando são feitas, são introduzidas num computador que alimenta diretamente a área contabilística e a área da produção. Quando falamos em empresas maiores, estas exigências aumentam. Os sistemas informáticos estão ligados. Há um programa que gere toda a informação. Isso acontece em empresas tecnológicas. Em empresas mais tradicionais, como vemos na região de Guimarães, com predominância têxtil, o processo é mais lento. São empresas centenárias ou com muitos anos. Vivem ainda da experiência dos seus trabalhadores, muito clássica. Aí os processos de digitalização são mais lentos e têm mais resistência. Esta academia pode acelerar os processos de digitalização.

 

Fala-se com frequência, principalmente no meio político, da importância da ligação entre a EEUM e as empresas de Guimarães e que, afirmando-se, por vezes, que o território não tem retirado o proveito que deveria. Essa visão corresponde à realidade? Tem a ver com um tecido empresarial amadurecido e envelhecido, pouco diverso?

Vivo em Guimarães há quase 30 anos e estou há três anos na presidência da escola. Este tempo fez-me notar que existe uma ligação. É difícil encontrar uma empresa que nunca tenha tido ligação com a EEUM: recebido um mestrado ou um estágio, ou vindo cá fazer uma consultoria. Mas nem sempre essas ligações são estruturadas. Acontecem um pouco por acaso. Gostaríamos de propor projetos colaborativos, em que não eram dedicados a uma empresa, mas a um conjunto de empresas, tendo em conta a área. Desenvolvemos vários projetos que ainda estão na gaveta; não estão fechados. Quando os desenvolvemos, terminou o programa de financiamento anterior, o PT2020, e está agora a abrir o novo programa de financiamento, o PT2030. Esperamos que possam ver a luz do dia.

 

Em que áreas incidiam esses projetos?

Um deles era a robótica colaborativa, outro era a logística inteligente, outra era os dispositivos médicos, que envolviam o setor têxtil – isso surgiu em contexto de covid-19. Havia também um ligaoa à indústria alimentar e à agricultura, e tínhamos um quinto, ligado à digitalização. Este projeto era diferente, porque passava por digitalização de conhecimento; havia a colaboração de algumas empresas, mas muito mais de instituições. Os outros quatro eram industriais. Cada um destes projetos colaborativos tinha seis a sete empresas associadas. Os projetos foram propostos, havia objetivos definidos, mas esbarraram no financiamento. Só conseguimos avançar se existir um financiamento mínimo. As empresas têm de ter alguma disponibilidade própria para financiarem os projetos por si próprias, mas precisam de financiamento externo.

 

Alguma estimativa de quando poderão ver a luz do dia?

Tínhamos a expetativa de que o programa-quadro já estivesse numa fase diferente de conhecimento e dos editais abertos. Estamos com a expetativa de que isso venha a ser conhecido com mais detalhe até ao final do ano. Neste momento, ainda não reavivámos esses projetos, porque estamos à espera de informação. Não vale a pena reatá-los sem saber em que termos o financiamento vai acontecer.

 

“Em empresas mais tradicionais, como vemos na região de Guimarães, com predominância têxtil, os processos de digitalização são mais lentos e têm mais resistência. São empresas centenárias ou com muitos anos. Vivem ainda da experiência dos seus trabalhadores, muito clássica. Esta academia [de transformação digital] pode acelerar os processos de digitalização”

 

Olhando à economia da região, tem-se visto que Braga se distingue pelas empresas tecnológicas, na eletrónica ou na informática de gestão, Famalicão pela Continental e pela indústria alimentar, e que Guimarães mantém a predominância da indústria têxtil. Vê hipótese de Guimarães diversificar a sua atividade económica? O setor aeroespacial pode fazer sentido?

Acho que sim e, mais do que isso, existem já alguns movimentos para saber se seria possível instalar alguma empresa do setor aeroespacial ou aeronáutico na região de Guimarães, sobretudo com esta ligação ao curso. Mas esses são tiros de longo prazo. Essas coisas não se decidem do pé para a mão. São coisas que naturalmente vão acontecendo. Esses contactos têm vindo a ser feitos, e ainda bem. Se tivesse de definir a aposta principal de Guimarães, não descuidava a indústria tradicional. Quando falo de tradicional, falo da existência, não da forma. A indústria têxtil é tradicional, porque já existe aqui há muitos anos, mas não tem de continuar a ser tradicional na forma de trabalhar. A tinturaria de há uns séculos atrás fazia-se com os pés. É preciso inovar, mas não devemos deixar cair a indústria têxtil, porque ela é o coração desta região. Ela não pode é fazer o mesmo que fazem os países do Sudeste Asiático ou a China. Trabalham pelo custo baixo e não somos concorrenciais. Temos de evoluir para um têxtil de valor acrescentado muito grande.

 

No fundo, as empresas locais devem aproximar-se do melhor que se faz no mundo inteiro…

Sim. Eu sei que isto é fácil de dizer, mas não é fácil de fazer. Os empresários têxteis têm a mesma visão. Posso olhar para a Alemanha, para a França, para o Reino Unido, e há imensa indústria têxtil de topo nesses países. O que eles não têm são empresas têxteis a trabalhar a baixo custo, com salários mínimos. Trabalham em têxteis técnicos e em tecnologia de valor acrescentado. Produtos mais baratos importam de outros países. Temos de seguir o caminho do valor acrescentado para gerar riqueza. Trabalhar por baixo custo gera riqueza para o empresário num determinado momento da sua vida, mas não gera riqueza para a região, nem para os seus empregados, que ficam muito expostos a uma situação de crise. É um ciclo que devemos evitar. Como é que se faz a passagem de um têxtil clássico para uma indústria altamente tecnológica? Não é fácil responder a isso, mas a universidade tem feito cada vez mais esse caminho de apostar em áreas tecnológicas avançadas e pode ser um parceiro importante para algumas destas indústrias avançarem.

 

E que possibilidades existem para o resto da economia?

De resto, a área principal poderá ser a aeroespacial, que está novamente a avançar, sobretudo na componente de aeronáutica. A covid-19 afundou o setor, mas o regresso faz com que o setor ressurja de forma exponencial. Isso vê-se até com os próprios aeroportos, que não estavam habituados a este crescimento repentino e não conseguem dar resposta, mas também no aumento das aeronaves e na formação de pessoas que trabalham no setor. Há uma coisa transversal a estes setores em que se pode apostar: a informática e os sistemas de informação. Guimarães também pode apostar forte em empresas desse domínio.

 

Braga, a 20 quilómetros, está muito pujante nesse setor. Crê então que, nos sistemas de informação, há espaço para qualquer cidade que queira apostar?

Braga aglomerou um consórcio de empresas da área da tecnologia, como a Primavera, a EticaData, a Fujitsu, a Accenture. Mas outras cidades, nomeadamente Guimarães, têm capacidade para o fazer. Há um quadro muito competitivo de captação de talento, o que significa que, em Braga, é por vezes muito difícil captar alguém para uma determinada empresa. Existe uma constelação de empresas na mesma localização. Muitas vezes, uma empresa não muito longe, a 20 quilómetros, pode ter mais espaço para atrair pessoas, e Guimarães é um concelho jovem em termos de população, mesmo não estando em crescimento, pelo que tem margem para empresas desse tipo. Agora se é fácil captar empresas de um setor quando a 20 quilómetros existe uma série delas? Não sei. Depende da visão dos empresários. Se fosse empresário e quisesse instalar uma empresa informática, fá-lo-ia mais depressa em Guimarães do que em Braga, porque em Braga teria muita dificuldade em captar pessoas. Em Guimarães, não teria de competir com as pessoas que vivem na mesma cidade e frequentam os mesmos sítios.

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