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O admirável mundo da robótica… dos palcos à bola entre as quatro linhas

Tiago Mendes Dias
Ciência & Tecnologia \ sexta-feira, junho 03, 2022
© Direitos reservados
Um robô programado em forma humana para se expressar como pessoa, engenhos num percurso de salvamento, jogadores programados para colocar a bola na baliza: assim se desenrola a RoboCup em Guimarães.

A divisória entre o hall e a nave principal do Multiusos é, nestes primeiros dias de junho, a fronteira entre a introdução formal a um espaço de eventos e um horizonte repleto de compartimentos, quais stands de feiras, unidos por um amplo corredor. A aparência meticulosa esconde o caos organizado que fervilha em cada uma das caixas: placas de circuitos eletrónicos e multímetros encostados a um canto da mesa, fios de cobre e alicates a outro e máquinas de soldar agrupadas nas caixas, enquanto se dá uma olhada ao computador.

Num dos cantos, quatro alunos do Colégio Técnico de Weiz, na Áustria, concentram-se nos ecrãs dos portáteis, enquanto a sua criação, uma máquina em forma de homem, encimada por um chapéu preto e branco e olhos verdes e luzir os contempla; criado ao longo dos últimos três anos, o robô à escala humana faz, em Guimarães, a primeira apresentação internacional, na liga “On stage”, uma das 14 que compõem a Euro RoboCup, a decorrer no Multiusos até sábado.

“É a primeira vez que o apresentamos. O robô está programado para o palco. Queremos, no fundo, mostrar a sua capacidade técnica. Esta é a categoria onde podemos ser mais criativos. Fazemos o robô como o quisermos”, diz ao Jornal de Guimarães Andrea Windisch, uma das criadoras da máquina.

Ao exibirem uma máquina de tamanho bem superior às das restantes equipas, a probabilidade de falhar também cresce, deitando por terra um esforço de pelo menos quatro horas por semana na escola, fora o trabalho realizado a partir de casa. “Tanto a programação, como o hardware são difíceis. Este robô tem muitas partes. E se uma parte quebra, todo o robô pode deixar de trabalhar. Temos de ser cautelosos enquanto programamos e o construímos”, explica Manuel Schaumberger, outro dos alunos provenientes da cidade próxima de Graz.

Formada ainda por Thomas Baumkirchner e por Rauber Markus, a equipa pode mostrar “qualquer coisa para entreter a audiência”, desde que cumpra o “limite de tempo” para a performance e respeite “alguns critérios técnicos”, esclarece Andrea, enquanto o quarteto repara o antebraço do seu robô.

 

Mesas de trabalho na Euro RoboCup, no Multiusos

Mesas de trabalho na Euro RoboCup, no Multiusos

 

Do lego aos robôs médios que defrontam o Vitória

À medida que as restantes equipas do “On stage” se debruçam sobre as mesas para aprimorarem os seus modelos, muitos outros alunos dispõem-se em torno dos quatro campos de futebol robótico. Entre a plateia de maioria croata – o país do Adriático é o mais representado em todo o evento, com escolas de norte a sul do território -, os treinadores dão as instruções aos jogadores, não com a voz, mas com retoques no hardware.

“No futebol, temos três ligas”, começa por dizer Fernando Ribeiro, professor do Laboratório de Automação e Robótica, ligado à Escola de Engenharia da Universidade do Minho; há a open, categoria “mais difícil”, com robôs até 2,2 quilos, a lightweight, para robôs até 1,1 quilos, formados por lego, e a entry, criada para os alunos que se estreiam na RoboCup. Fora essas três ligas, participadas por dezenas de jovens, há duas equipas de robôs médios – peso de até 40 quilos -, que jogam noutra ponta do Multiusos, num campo de 20 por 14 metros. Universidades como as do Porto e de Aveiro chegaram a competir nessa área, mas a covid-19 dissolveu várias equipas de robôs médios, esclarece Fernando Ribeiro. Para a terceira Euro RoboCup, restam duas dos Países Baixos, ambas de Eindhoven, cidade associada à tecnologia e à Phillips. “A equipa VDL, por exemplo, é formada por um grupo de engenheiros que trabalhava na Phillips. Durante o dia trabalham e à noite divertem-se a fazer robôs”, conta Fernando Ribeiro.

Quem vencer a final, marcada para as 14h30 de sábado, vai defrontar, de seguida, a equipa feminina de futebol do Vitória SC, numa associação ao centenário do emblema vimaranense.

O périplo pelos restantes setores mostra robôs em operações de busca e salvamento – há as provas em que a máquina tem de seguir uma linha (line), aquelas em que o robô tem de percorrer um labirinto (maze), socorrendo uma vítima “marcada com desenhos no piso”, ao mesmo tempo que deposita um sinal correspondente a “primeiros socorros”, e a prova virtual, em que dois robôs competem pelo resgate do maior número de objetos entre si.

“Há uma bicicleta onde podem ver quanta energia conseguem gerar, têm ilusões de ótica naquele cubo, uma experiência com roldanas, um rádio que se ouve com os dentes, um canhão de ar. Há ali duas parabólicas em que um fala aqui e outro ouve lá”, explica o investigador.

 

“Temos um número razoável de participantes. Estava à espera de mais, antes do conflito na Ucrânia. Depois do conflito, fiquei na dúvida se teríamos tantos”, Fernando Ribeiro

 

A RoboCup de Guimarães desenrola-se com 700 participantes, tantos quantos os da edição anterior, de 2019, em Hanôver (Alemanha). Previsto desde 2020, mas entretanto suspenso pela pandemia, o evento conta com as “melhores equipas” de cada um dos 15 países representados. Poderiam até ser mais, não fosse o conflito entre a Federação Russa e a Ucrânia, cuja escala se alargou a partir de 24 de fevereiro.

“A Rússia não foi autorizada, a Ucrânia não veio, a Finlândia não teve autorização do governo, pela proximidade com a Rússia. A Polónia não veio e o Reino Unido também não. A Suíça igual. São fatores que escapam ao nosso controlo”, realça Fernando Ribeiro

Ainda assim, o número de participantes supera a capacidade hoteleira de Guimarães, pelo que há gente alojada em cidades como Felgueiras e Fafe. “Está tudo cheio”, refere o organizador, explicando que as provas terminam sempre às 18h00, para as equipas poderem depois divertir-se no centro histórico. Para esta sexta-feira, por exemplo, está marcado um peddy paper pela cidade com 10 pontos de referência.

 

Diogo Melo e Cristóvão Ribeiro, da Escola Profissional de Felgueiras

Diogo Melo e Cristóvão Ribeiro, da Escola Profissional de Felgueiras

 

Mais do que trabalhar, “falar o inglês e socializar”

Escassa na maioria das ligas, a participação lusa concentra-se na liga Roboparty. As 20 melhores equipas desse evento decorrido em abril vão a jogo com os seus Bot n’Roll para um jogo em que têm de empurrar o maior número de bolas de ténis de mesa para o meio-campo do adversário. “Só podemos tocar no robô dentro da área vermelha. Temos de empurrar o número máximo de bolas para o adversário. Temos bolas laranjas que valem um ponto, as verdes que valem dois pontos e a bola roxa, que é a do desempate”, explica Diogo Melo, inscrito no 10.º ano do curso técnico de eletrónica, automação e computadores da Escola Profissional de Felgueiras.

Esperançoso de que um dia poderá seguir o futebol robótico, o estudante detalha ainda o papel das duas bandeirinhas nas extremidades da linha de meio-campo. “Se acertarmos com a bola nas bandeiras, elas inclinam-se para o campo do adversário, acionando umas ventoinhas que ajudam a empurrar a bola para lá”, realça.

Mais do que aprimorar o conhecimento técnico, Diogo Melo vê na RoboCup uma oportunidade para “socializar com pessoas de países diferentes” e “aperfeiçoar o inglês”. Ao lado, o colega de turma Cristóvão Ribeiro concorda: “Este evento dá para interagir com as pessoas, aprender novas coisas, aperfeiçoar os nossos conhecimentos na programação e para socializar com as pessoas”.

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