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Paquito e uma camisola que tem "mais interesse para o espólio do Vitória”

Bruno José Ferreira
Desporto \ terça-feira, novembro 01, 2022
© Direitos reservados
Passou três épocas no Vitória, de 1982 a 1985. Foi a camisola que mais vestiu na carreira, mas no seu baú havia a do Aston Villa, que tenciona dar. “Formidáveis” os tempos que passou na cidade berço.

No baú da família Saura, em Vila do Conde, uma camisola azul e grená salta à vista por entre a arrumação. “Estava perdida na casa da minha mãe”, conta Paquito ao Jornal de Guimarães. Reapareceu quase por acaso e o ex-jogador refere-se a uma camisola do Aston Villa, da temporada 1983/1984. Paquito foi, durante três anos, mais um vimaranense, ao representar o Vitória SC entre 1982 e 1985. Tempo o suficiente para ficar com apego à cidade e ao clube.  

A cor, já um inevitavelmente um pouco gasta do passar dos anos – já lá vão 39 – anuncia o caráter histórico da peça de vestuário. Ao tomar-lhe o peso, sente-se igualmente a carga histórica. Na zona central, acima da publicidade que começava a ser uma novidade na altura, a inscrição “Champions of Europe”. Dois anos antes o Aston Villa conquistara a Taça dos Campeões Europeus. Paquito trocou a sua camisola branca, número 8, com o número 8 dos ingleses. “Já não me pergunte quem era, porque já não me recordo”.

Segundo a ficha disponibilizada pela UEFA a camisola foi utilizada por Mark Walters no Villa Park (Birmingham) naquela quarta-feira – 28 de setembro de 1983. Jogo de má memória para o Vitória SC: depois de vencer no Municipal de Guimarães por uma bola a zero, acabou eliminado da Taça UEFA ao ser goleado 5-0.

“Cá conseguimos ganhar 1-0, com um golo de penálti – que foi sobre mim. Foi o Gregório Freixo que marcou. Atrás da baliza onde foi batido o penálti, houve uma grande confusão entre os adeptos do Vitória e os ingleses, facadas e tudo”, aponta Paquito, como se estivesse a rever o jogo, com uma nostalgia difícil de esconder. “O jogo de uma vida”, atira. Em Inglaterra tudo foi diferente. “Sabíamos que eles eram muito fortes em casa, que lá íamos ser massacrados. E sabíamos que, se aguentássemos o primeiro ímpeto deles, os cruzamentos, e as bolas longas, o barulho que iam fazer, podíamos ter hipótese de fazer o nosso futebol. Mas era quase impossível. Fomos massacrados”, admite.

Leite no balneário do Vitória, cerveja no do Aston Villa

“Era uma equipa com outras coisas”, complementa Paquito. Sem carro, o jogador que na altura tinha 23 anos fazia o trajeto entre Guimarães e Vila do Conde semanalmente. “Eles já tinham Rovers, patrocínios, enquanto nós ganhávamos uma bagatela”, reconhece. No final do jogo pediu, então, a Mark Walters para trocar de camisola. “Disseram-nos que só faziam a troca no balneário”, puxa a fita atrás.

Assim foi. Após o jogo, foi ao balneário adversário pedir para fazer a troca. “Estávamos no nosso balneário a beber leite e água e fui bater à porta do balneário deles para trocar a camisola. Quem me abriu a porta, um dos jogadores, vinha com uma grande caneca de cerveja”, afirma com sorrisos. Para além da tal camisola de Walters, desse jogo ainda trouxe o prémio de ter sido o melhor jogador em campo por parte da equipa portuguesa, um prémio atribuído pelo Jornal de Notícias na altura: 150 contos. Repartiu o prémio a meios com Flávio das Neves, companheiro na viagem de avião, após um acordo estabelecido entre os dois.

A intenção de Paquito é dar a camisola ao Vitória SC, para o seu espólio e futuro museu. “Não ligo muito a isto, não sou dos que tenho uma vitrine. Fui dando tudo”, destaca o ex-jogador, agora com 62 anos. “Já me chatearam para a vender, mas acho que fica mais bem entregue ao clube. Marca uma época do Vitória SC e acho que terá mais interesse para o espólio do clube, para a história do Vitória do que para mim, por isso quero entregá-la Vitória”, assume o jogador que se destacou na década de oitenta.

 

“Três anos formidáveis da minha vida”, mas antes teve de “mostrar a Manuel José que não era desconhecido”

Juntamente com a mãe e com os irmãos, Paquito gere um negócio que está na família desde que o ex-jogador tinha sete anos, no coração de Vila do Conde. A esta distância olha para a passagem pelo Vitória SC, e por Guimarães, como “três anos formidáveis” da sua vida. “Não só a nível de futebol, mas a nível de vida foram tempos muito bons, entre os meus 21 e 25 anos”, destaca.

“A cidade cresceu muito, assim como o Vitória”, pontua Paquito. Um crescimento a nível de infraestruturas, uma vez que relativamente aos adeptos não há diferenças. “O Vitória sempre teve campo cheio, como hoje, e é isso que faz a diferença entre o Vitória e os outros. Onde fôssemos, contra quem fosse, eles lá estavam”, sustenta, mesmo naquele tempo as condições não sendo as melhores. “Tenho uma foto minha num dia de chuva, um vendaval, e estava tudo cheio de chapéus de chuva”, relata o jogador.

“Quando fui do Rio Ave para o Vitória já era um clube diferenciado, que nos projetava para outros voos. Aquilo que o Vitória me propôs, o Rio Ave também igualou. Mas eu achava que ia ser uma coisa que ia mudar a minha carreira. E mudou”. Ao fim de três épocas mudou-se para o FC Porto, onde foi campeão nacional. Mas, antes disso, na chegada a Guimarães, teve de levar na bagagem muita vontade para se mostrar ao técnico Manuel José.

“Tinha dado uma entrevista em que dizia que conhecia quase o plantel todo, mas não conhecia alguns atletas. Um dos nomes que desconhecia era o meu. Quando cheguei havia Pedrotos, Abreus e outros: uma montra fabulosa”, exalta o jogador que fez carreira como extremo. “Teria de trabalhar o dobro deles e a minha mentalidade foi essa. Cheguei, trabalhei e mostrei ao Manuel José que afinal o Paquito não era um desconhecido”, remata.

Quando olha para trás, Paquito mostra-se satisfeito com o seu percurso, considerando que atingiu os objetivos preconizados. “Sabia que não era nenhum tratado, nenhum Maradona nem nenhum Messi, mas sabia que com o trabalho conseguiria projetar-me. Olho para trás e o meu trajeto é maravilhoso. Cumpri o que idealizava quando tinha 18 anos”, conclui. 

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