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 A Ana dos Olivais e a Bruna de Caldas das Taipas

Eduardo Fontão
Opinião \ segunda-feira, novembro 21, 2022
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Vou enviar um e-mail ao senhor deputado com o meu upgrade à sua história. Só temo que mude de opinião e ao invés de pensar que a Ana teve azar de nascer neste país resignado à mediocridade

Ainda passe a achar que, por nascer na capital, lhe saiu afinal o euromilhões à nascença.

Tem circulado nas últimas semanas, de forma viral pelas redes sociais, um vídeo onde um deputado do PSD confronta o primeiro-ministro com a história de uma jovem, de seu nome Ana, nascida na freguesia dos Olivais, no concelho de Lisboa.

Tal como a maioria dos portugueses, fiquei sensível à história da Ana, hoje com 25 anos, que nasceu em 1997, e teve a triste sina de ter no seu país e na cidade onde sempre residiu governantes que não tiveram a capacidade de lhe proporcionar o futuro risonho com que sonhava desde criança.

Gostei tanto da história, que dei por mim a puxar pela cabeça para tentar imaginar com mais detalhe o percurso de vida da menina: a Ana nasceu (tal como disse o Sr. deputado) em 1997, filha de dois funcionários públicos - o pai funcionário do Metro de Lisboa e a mãe assistente administrativa na ANA - Aeroportos. Estudou na escola pública e sempre foi uma excelente aluna. Como era uma barra a matemática, escolheu economia e entrou na primeira opção, na Nova SBE, uma das melhores em Portugal para cursar economia.

De sua casa à Universidade era um tirinho: 45 minutos, era só apanhar a linha vermelha do metro (até tinha desconto por o seu pai ser funcionário) até ao Saldanha e depois apanhar o autocarro até Campolide. No final do dia, o caminho inverso. Continuou a ser uma aluna excelente na Universidade (a melhor do seu ano) e todos os anos recebeu a bolsa de mérito. Como tinha poucas despesas com as deslocações e não precisava de arrendar um quarto como a maioria dos seus colegas, nem precisava de pedir dinheiro aos pais para vestuário ou para ir de quando em vez ao “bairro” ou ao Lux beber um copo com as amigas.

Durante o curso, apaixonou-se pelos economistas monetaristas da escola de Chicago e resolveu tirar o mestrado em economia em 2018, mudando-se, tal como a Nova SBE, para o Campus de Carcavelos. Era um pouco mais longe, mas dava para ir de transportes e podia continuar a viver em casa dos pais.

Ainda durante o mestrado, várias instituições tentaram aliciá-la para os seus quadros, nomeadamente consultoras, fundos e bancos de investimento, alguns até do estrangeiro, mas a Ana sempre ouviu os ensinamentos dos seus pais e tinha como objetivo um emprego mais seguro, a trabalhar para o Estado. O salário não é tão aliciante, mas trabalham-se menos horas e deve dar para comprar um T2 nos Olivais, junto ao dos seus pais, o que lhe permite para já poupar o dinheiro do jantar. Um dia mais tarde, poderá ter uma ajuda preciosa para cuidar dos meninos. Podia sempre emigrar e ganhar muito mais, mas no estrangeiro não há este solinho e este cafezinho.

A Ana tem uma prima, da mesma idade: a Bruna, que tal como a Ana, sempre foi uma excelente aluna, tirou economia na FEP, sendo a melhor do seu curso. Com imenso esforço, pois tinha de fazer uma hora e meia de autocarro das Taipas até ao Porto e vice-versa. Fez depois um mestrado em Contabilidade e Controlo de Gestão, já que sonhava ser Revisora Oficial de Contas.

Ainda a frequentar o mestrado começou a trabalhar numa Sociedade de Revisores (SROC) e logo numa das big four! Com um bom salário para começar, até superior ao da Ana. Mas não podia continuar a ir diariamente para as Taipas. Alugou um apartamento, não muito caro, junto ao Hospital de São João. Mas juntando-lhe a alimentação, transportes, despesas da casa, o salário não chegava. Teve de deixar o emprego e regressar às Taipas, mas não ficou muito triste, porque já não aguentava com saudades de não ver o Nélson (seu namorado desde o ciclo) a semana inteira. O Nélson não coube em si de contente pelo regresso da sua Bruna, e, ouro sobre azul, conseguiu arranjar-lhe um emprego no escritório da carpintaria onde trabalha. Com os dois a trabalharem e com um salário certinho ao final do mês, a Bruna já pode ter o casamento de princesa com que sempre sonhou e podem viver na casa dos pais do Nélson por uns tempos, até juntarem algum dinheirinho para construírem uma casinha, num terreno que ele herdou dos avós paternos em Longos (Santa Cristina).

Acho que vou enviar um e-mail ao senhor deputado com o meu upgrade à sua história. Só temo que mude de opinião e ao invés de pensar que a Ana teve azar de nascer neste país resignado à mediocridade, ainda passe a achar que, por nascer na capital, lhe saiu afinal o euromilhões à nascença.

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