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Engordados a salários mínimos

Eduardo Fontão
Opinião \ sexta-feira, dezembro 31, 2021
© Direitos reservados
As declarações de Horta Osório colocaram na ordem do dia a incapacidade estrutural do nosso país em criar riqueza suficiente para remunerar os trabalhadores com um salário que lhes permita dignidade.

Nós, portugueses, temos esta característica muito própria (e muito irritante, já agora) de só prestarmos a devida atenção a um assunto, quando vem alguém lá de fora falar nele.

Foi o que aconteceu com as declarações do banqueiro António Horta Osório (de nacionalidade portuguesa, mas que atingiu o sucesso fora de portas), que numa conferência organizada pelo Jornal de Negócios disse: “Porque é que Portugal cresce 1% ao ano nos últimos 20 anos, enquanto a Irlanda cresce 5%? E porque é que o salário líquido médio em Portugal é 1.000 euros e na Irlanda é o dobro?". Disse que “temos um problema claro de crescimento e ambição da sociedade portuguesa, estamos satisfeitos com o nível de riqueza que temos e satisfeitos com um país que não cresce”.

Disse ainda que: “O salário médio em Portugal, está muito perto do salário mínimo”. Nunca ninguém tinha falado disto em Portugal! Nunca! E foi por isso que nas semanas seguintes proliferaram os artigos, peças jornalísticas e reportagens, sobre o os baixos salários praticados em Portugal e sobre como é impossível viver com dignidade auferindo o salário mínimo.

E ainda bem que as declarações de Horta Osório tiveram tanto eco, pois colocaram na ordem do dia um tema que muito me envergonha enquanto português: a incapacidade estrutural do nosso país de criar riqueza suficiente para remunerar os trabalhadores com um salário que lhes permita viver com dignidade.

Se houve medida com a qual concordei nos governos de António Costa – e foram poucas - foi com o aumento consistente do salário mínimo. Em primeiro lugar, porque os gestores de empresas ineficientes e pouco organizadas, não podem esconder indefinidamente a sua incapacidade para atingirem rentabilidades adequadas, praticando salários miseráveis. Em segundo, porque uma empresa que não consegue acomodar aumentos de 30 ou 40 euros na base das suas tabelas salariais, se calhar tem de fechar portas, libertando recursos humanos para outros negócios que tenham capacidade de os remunerar convenientemente. E, por último, porque o aumento do SMN tem um efeito de arrastamento sobre os restantes salários.

Ora então se o aumento do salário mínimo é tão positivo, porque não aumentá-lo já para 1.000€ ou 1.500 euros? Porque as nossas empresas competem num mercado global e os aumentos salariais têm de encontrar um difícil equilíbrio entre uma subida arrojada e que puxe pelos gestores e empresários, mas que não ponha em causa a competitividade da nossa economia. Aumentos demasiado elevados, teriam consequências nefastas como o encerramento de empresas e o aumento brutal do desemprego.

O aumento do SMN, ao não ser acompanhado por aumentos proporcionais nos restantes salários, aproximou o salário médio do mínimo e torna cada vez mais Portugal como um país de salário mínimos? É verdade e aconteceu principalmente no setor público, em que com os salários congelados, só os trabalhadores que auferem o SMN têm sido aumentados. O que tem efeitos muito negativos na motivação dos trabalhadores, que mesmo desempenhando cargos para os quais são exigidas mais qualificações e com maior responsabilidade, ganham praticamente o mesmo que trabalhadores indiferenciados.

O aumento do salário mínimo nacional e a pressão que exerce sobre os restantes salários e sobre as estruturas de custos das empresas não pode ser vista de forma negativa pelos empresários. O dever de qualquer gestor é otimizar a rentabilidade do negócio por forma a remunerar convenientemente os acionistas, mas também os trabalhadores. Uma empresa que remunere mal os seus trabalhadores não está a cumprir com a sua função. Conseguir isto numa economia amorfa, excessivamente burocrática e com um nível de tributação sobre o trabalho elevadíssimo, é um enorme desafio. Mas ninguém disse que ser empresário em Portugal era fácil!

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