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A receita da “excelência”

José Cunha
Opinião \ sexta-feira, abril 18, 2025
© Direitos reservados
Somos os maiores, e realmente únicos, quando nos autoavaliamos. E mesmo quando sabemos o quão longe isso está de corresponder à realidade.

Estou convencido de que adquiri intolerância à excelência. Ainda não tenho o diagnóstico médico oficial, mas os sintomas assim me levam a crer. Sempre que me forçam a engolir excelência não a consigo digerir. O meu organismo reage com urticária, náuseas e incontroláveis vómitos de insultos.

Como podem imaginar, não me é fácil viver com este distúrbio numa cidade como a de Guimarães onde existe uma fábrica de narrativas que têm na excelência o seu principal ingrediente. Aliás, é ainda sob o efeito da mais recente reação alérgica que redijo este artigo. Podem, contudo, ficar tranquilos, pois na forma escrita os vómitos são mais fáceis de conter, ainda que me obrigue a contar até dez e a rever o texto várias vezes.

A dose de excelência que me tem mantido agoniado por estes dias, foi cozinhada pelo Município e servida numa narrativa a que deram o nome de “Guimarães em destaque no relatório da OCDE sobre economia circular”. Diga-se que o prato teve um enorme sucesso. Para tal contou com a falta de palato da imprensa, que engole e regurgita tudo o que lhe dão sem saborear (contei até dez – várias vezes), e contou também com o apetite do grosso dos vimaranenses que, embevecidos de bairrismo, devoram e engolem tudo o que promova a excelência de Guimarães.

O que nos foi servido nessa narrativa leva a acreditar que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) identificou, reconheceu e destacou Guimarães como um exemplo de excelência e referência europeia em matéria de economia circular. Na verdade, o relatório da OCDE não tem por base a análise às 64 cidades e regiões da União Europeia, como é referido no comunicado da Câmara. Como o relatório faz questão de deixar bem explicito, “os resultados para cada dimensão de governança apresentados neste capítulo refletem a autoperceção das cidades e regiões pesquisadas e não representam a avaliação da OCDE”, referindo, ainda, que “alguns resultados estão influenciados pelas perceções dos inquiridos”.

O desempenho de Guimarães em cada uma das 12 dimensões de governança identificadas pela OCDE como ações chave para promover, facilitar e potenciar a economia circular, é verdadeiramente espetacular e roça a perfeição. Numa escala com seis graus de implementação, a nossa pequena cidade faz ver a grandes capitais e regiões europeias. Estamos no máximo dessa escala (In place, objectives achieved) em nove dimensões, e no degrau imediatamente abaixo (In place, functioning) nas restantes três. Somos os maiores, e realmente únicos, quando nos autoavaliamos. E mesmo quando sabemos o quão longe isso está de corresponder à realidade.

Resumindo: (1) A OCDE pergunta às cidades e regiões europeias como avaliavam o seu desempenho na implementação da economia circular; (2) O Município de Guimarães responde que está no limiar da perfeição; (3) A OCDE faz um relatório com base nas respostas obtidas que incluem e reportam o desempenho estratosférico de Guimarães; (4)  O Município emite comunicado de imprensa fazendo crer que o desempenho de Guimarães reportado resulta de uma análise e avaliação da OCDE;  (5) A imprensa local e nacional não se dá ao trabalho de verificar a informação e fazem eco acrítico da excelência ambiental de Guimarães; (6) A imagem da excelência ambiental de Guimarães em matéria de economia circular nasce, e passa a ser inquestionável.

Sermos vistos e reconhecidos por uma excelência ambiental fabricada e balofa não nos deve encher de orgulho, mas antes de vergonha. É assim que me sinto, com vergonha alheia.

E mais não digo, pois de tanto contar até dez, já estou atrasado no envio do artigo.

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