Contra a evanescência e a anomia
Em relação às terras com que se compara, Guimarães sempre fez a diferença, pela robustez do seu movimento associativo e pela vitalidade da sua cidadania, exercida por homens e mulheres com pensamento próprio e espírito crítico, que eram escutados com atenção pelos responsáveis políticos. Uma feição que, com as transformações sociais das últimas décadas, em conjugação com mais de trinta anos de governança autárquica em regime de maioria absoluta monopartidária, se tem vindo a esbater.
“Fazer pensar é tudo”, escreveu Alberto Sampaio, um dos protagonistas de um dos mais sólidos e bem-sucedidos programas de renovação de Guimarães. Hoje, o que falta a Guimarães é pensamento. Ao contrário do que aconteceu na década de 1880, ou na de 1980 e nas seguintes, até à Capital Europeia da Cultura, a decisão deixou de resultar de necessidade e racionalidade, parecendo decorrer dos impulsos do momento, que fazem brotar ideias extravagantes, como o teleférico que iria ligar a cidade às Taipas; ou peregrinas, como a encomenda da estátua de Vimara Peres; ou impraticáveis, como a cobertura da rua de Santo António; ou mal explicadas, como a pedonalização de artérias adjacentes ao Centro Histórico; ou absurdas, como a “garra vimaranense” para atrair turistas. E, quando há contestação aos “melhoramentos” apregoados, anunciam-se estudos: é o processo de decisão em modo invertido: primeiro decide-se, depois estuda-se.
Governar a cidade pressupõe ideias claras e consolidadas e capacidade e vontade para se assumirem decisões que nem sempre serão bem compreendidas. Foi assim que aconteceu no processo de requalificação do Centro Histórico pensado por Fernando Távora, na década de 1980. Na altura, não faltaram vozes que o contestaram. Foi necessário muito diálogo, conjugado com conhecimento, convicção e capacidade de decisão, para que pudesse avançar.
É esse espírito que agora parece escassear.
Guimarães enfrenta hoje problemas que têm de ser encarados com sabedoria e determinação. Desde logo, as exigências da mobilidade sustentável enquanto serviço público, que implica medidas drásticas de desincentivo à utilização do transporte individual. Ou a prevenção dos efeitos negativos da pressão turística, reagindo ao processo de gentrificação que já ameaça o nosso modo de vida e que, ao expulsar os habitantes do Centro Histórico, contraria a ideia central da filosofia que presidiu à sua requalificação. Ou o imperativo de pôr ordem na ocupação do espaço público para uso privado, como acontece com as esplanadas do Centro Histórico, que se estenderam em tempo de pandemia, mas que tardam em se recolher ao espaço que lhes está destinado (e, mesmo esse, precisa de ser repensado, para preservar a dignidade do património histórico icónico, como o Padrão e a oliveira da praça).
Guimarães tem, à sua escala, o mesmo problema que tem o país: a antiquíssima desconfiança em relação aos políticos e à política, que Bordalo caricaturou como uma porca que amamenta uma ninhada de leitões, que representam os políticos dos diferentes partidos do seu tempo. A ideia que associa os cargos políticos ao trocadilho fácil do “tacho” ou da “gamela” e que, em alguns casos, até parece fazer sentido quando vemos os trânsfugas ou “adesivos”, que se colam aos adversários de antes e que acabam recompensados com cargos em empresas municipais. Ou quando vemos que no partido que governa Guimarães se ergueu um albergue espanhol que reúne desencantados, descontentes e excluídos, sem nada que os una, para além do inimigo comum que agora mora em Santa Clara.
Em Guimarães, a política, essa atividade nobre de dedicação ao bem comum, precisa de voltar a ouvir os cidadãos. Para isso, faz falta que os cidadãos se façam ouvir.