skipToMain
ASSINAR
LOJA ONLINE
SIGA-NOS
Guimarães
04 maio 2024
tempo
18˚C
Nuvens dispersas
Min: 17
Max: 19
20,376 km/h

O desporto e a economia (continuação) - parte 5

Francisco Oliveira
Opinião \ sábado, janeiro 06, 2024
© Direitos reservados
A Superliga europeia já existe e chama-se Champions League. Aqui os maiores tendem a ser cada vez maiores, muitas vezes com dinheiro de proveniência duvidosa ou à margem do fair-play financeiro.

A Superliga é hoje, em curso, o projeto mais ousado do negócio futebol no desporto do século XXI. Seria disputada num circuito fechado, sem despromoções, um clube exclusivo para membros residentes, que jogariam uns contra os outros, mais cinco contemplados que entrariam a convite, segundo critérios específicos. Contudo, não devemos olvidar que tudo começou com a transformação da Taça dos Campeões Europeus em Liga dos Campeões Europeus, que mais tarde, em nome do mesmo negócio, admitiu na mesma os que não foram campeões nos seus respetivos campeonatos nacionais. É sempre em nome do negócio, e nunca do desporto, que estas propostas – mesmo por vias travessas – se vão concretizando no desporto, e sobretudo no futebol, onde os clubes estão sujeitos a uma pressão financeira e, por sua vez, a e à pressão dos grandes clubes e das ligas mais rentáveis – a inglesa, a espanhola, a alemã e italiana, e de menor relevância, a francesa e a portuguesa, bem como dos Países Baixos. O futebol é um negócio milionário. A interrogação é desmiolada, e só a faz quem anda distraído: quem matou a Superliga? Foi a UEFA e a FIFA, ou foram os adeptos, ou a intervenção política que os adeptos mobilizaram? A Superliga europeia já existe e chama-se Champions League. Aqui os maiores tendem a ser cada vez maiores, muitas vezes com dinheiro de proveniência duvidosa ou à margem do fair-play financeiro.

Os clubes que fizeram tal proposta estavam ameaçados nos seus lucros astronómicos e nos seus projetos megalómanos, e a UEFA, tão zelosa dos seus lucros, moderadora e organizadora das provas (juíza em causa própria e revestida de opacidade), apressou-se a opor-se à iniciativa, propondo ao mesmo tempo um novo modelo de Liga dos Campeões que protege o seu negócio e os clubes e as ligas mais fortes a partir de 2024.

Uma Liga dos Campeões cada vez mais fechada e coutada só de alguns, ou seja, os mesmos do costume. Um acesso concedido a alguns clubes, e ligas respetivas, independentemente dos seus resultados nas ligas nacionais no ano anterior. Uma concentração cada vez maior da riqueza nos clubes e ligas mais poderosas, e do seu correspondente sucesso desportivo… e financeiro. Em rigor as oito equipas de sempre e as quatro ligas do costume. Parece um cartel: consequentemente, perda da competitividade das ligas nacionais, sobretudo das pequenas e médias, que veem o fosso financeiro ser aumentado e a desigualdade competitiva agravada. Uma crescente assimetria competitiva em todas as ligas nacionais na Europa.

E perante isto, porque dá jeito, a hipocrisia de sempre da UEFA – a defesa dos valores do mérito, da ética e da solidariedade, por aqueles que são os promotores do negócio e nunca do desporto; a não ser que esteja ao serviço do negócio. E isto frente aos 12 clubes que acusam – e sem dúvida que é verdade – de ganância. A mesma que padecem o senhores e senhoras da UEFA e da FIFA. Isto é tanto assim (para quem não tem memória curta) que na mesma altura o suprassumo do futebol internacional – Gianni Infantino – propunha a criação de uma Superliga fechada em África para os principais 20 clubes. Mas, como dizia antes, a Superliga já existe, são os diversos figurinos propostos e/ou realizados da Liga dos Campeões. Têm dúvidas?! Não se lembram da forma intervenção da UEFA, agindo contra o seu próprio Comité Independente, anulando a suspensão de dois anos imposta ao Manchester City por violação das regras do financial fair-play!?

Para, e sem negar a importância do negócio, proteger o modelo europeu do futebol, aberto e competitivo, solidário e ético, o legislador europeu tem de forçosamente intervir. Não podemos esperar pelos tribunais. Urge uma ação política concertada em prol do desporto, sem desacautelar a dimensão financeira, equilibrada e justa. E que o faça em nome do jogo, como desporto e atividade física. Sem se querer substituir à UEFA, mas impondo-lhe princípios e valores que devem nortear o desporto e o negócio, e reconhecendo-lhe a autoridade sobre os clubes. Mas, simultaneamente, impondo-lhe a separação entre a função reguladora e de operador económico, de licenciamento das competições e de ética, democracia e boa governança.

Sabemos que, como em tudo na vida, a desigualdade está inscrita na natureza das competições, e que suscitam interesse, mas permitir uma desigualdade apoiada entre os mais fortes (como acontece no futebol português) é desonesto e desleal. O futebol é por excelência e natureza o desporto mais democrático e popular na Europa, mas também no resto do mundo. Ora reduzi-lo a uma coutada de alguns é contrariar a sua essência do mesmo. Ao tentarem vender um modelo fechado, ainda que com o bónus de um convite anual a cinco pobrezinhos, estes senhores dos feudos medievos fariam regressar o mundo ao tempo da plebe, ou escravos dos seus senhores.

Mas, julgo eu, não impede que os melhores se possam destacar em competições que premeiam a sua excelência e resultados; mas nunca como uma aristocracia que se autoalimenta à custa de uma plebe depauperada para aumentar os luxos dos que serão sempre os ricos. Parece que o equilíbrio é a missão principal de qualquer federação desportiva, pois uma prova desequilibrada é igual a um daqueles fins arranjados para contentar os meninos ricos. Isto não é uma ideia romântica do futebol, mas é a realidade que se prova no nosso futebol que premeia 2 ou 3 clubes, e que vai perdendo competitividade com os seus congéneres europeus (qual réplica do que se faz a nível interno). Assim, o desequilíbrio começa no mercado doméstico e agrava-se na negociação global dos direitos televisivos. E torna-se escandaloso quando os clubes são comprados por multimilionários, possuidores de fortunas de origem muito duvidosa. Ou será que os adeptos destas Superligas são favoráveis ao fim das ligas nacionais?! Ou, mais doentio ainda, os fins (ganhar) justifica todos e quaisquer meios (em rigor, uma mentalidade estalinista)?!

Continua…

Podcast Jornal de Guimarães
Episódio mais recente: