Cidadania e bom senso
Aparentemente sim e o governo liderado por Passos Coelho deu luz verde à sua implementação. Conhecer a Constituição, o funcionamento do Estado, o lugar de Portugal na Europa e o papel da U.E. num mundo globalizado que exige, cada vez mais, do Humano e da sua relação com o mundo natural e com os desafios sociais emergentes, parece fazer sentido.
Ao tornar obrigatória esta unidade curricular, recomendava o “bom senso” que o governo de Costa definisse um escopo científico devidamente consensualizado, um programa estruturado, formação de docentes para o efeito e uma monitorização que envolvesse a comunidade educativa representada no Conselho Nacional de Educação. Mas o que fez o governo? Estabeleceu um guião de orientações que despejou nas escolas e deixou os Diretores de Turma à sua sorte para implementar – imagine-se – a “Estratégia Nacional da Educação para a Cidadania”.
Refém do apoio extremista, o governo de Costa, fez “vista grossa” ao pacote do “novo marxismo”, que alguns designam de cultural, que explora – já não as ultrapassadas lutas de classes, mas – o conflito social entre humanos; entrou, deste modo, “pela porta do cavalo”, um “boião da ideologia de género” dentre as “guide lines” da respetiva disciplina. “Bar aberto” para a festa do radicalismo extremado à esquerda e à direita: nada que o “bom senso” recomendasse.
Em Portugal, como nos EUA e noutras paragens, aparece logo o extremismo religioso bafiento – sem “bom senso”, portanto - e o reacionarismo de extrema-direita – “caindo na esparrela” da extrema-esquerda, ou retroalimentando-se dela – a entrar na luta pela “moralidade e bons costumes”! Foi o que aconteceu em Famalicão com dois jovens estudantes, inocentes, instrumentalizados para uma luta que não é, por ora, mas veremos, a deles; duvidam? Vejam o sobrenome do causídico que suporta a kafkiana questão em sede judicial. O algodão, não engana!
O “bom senso”, de novo, recomendava o esclarecimento de algumas questões em redor do “caso”, que não vimos desvendadas na praça pública, a saber:
Porque não fala o diretor do agrupamento escolar sobre o caso? Haverá, porventura, receio de perda de suporte eleitoral para a renovação do cargo num município com descentralizadas competências escolares? Ou estarei a especular?
Porque não falam os diretores de turma – responsáveis pela exposição de “conteúdos ofensivos e violadores da consciência dos meninos”, que interpelam os pais para que os filhos não frequentem uma disciplina obrigatória – por impedimento do diretor escolar? Por medo? Porque a comunicação social não os quer ouvir, porque o tema rende mais assim?
E os outros cinquenta encarregados de educação dos colegas dos dois estudantes metidos neste imbróglio? Por que ninguém os quer ouvir? Serão uma ilha de comunistas modernaços num concelho de maioria de direita e que defendem que o género é uma construção social cuja natureza é só um detalhe que logo se verá se é reconfirmado?
Pior do que esta nublosa é uma senhora deputada Alexandra Leitão (que fora Secretária de Estado da Educação quando o tema “veio a lume”) invocar – pasme-se – o “bom senso” do governo por passar (condicionalmente) os estudantes deste enredo. Diga lá outra vez?
Criam um problema; não o resolvem; geram alarme social; colocam o sistema educativo sob tensão; dão aso ao espraiamento dos mais tenebrosos populismos de esquerda e de direita; não protegem em definitivo os alunos; expõem ao ridículo um Ministério Público que toma parte no jogo dos radicalismos; quebram a autoridade do Estado desafiada por um indivíduo apoiado pela extrema-direita; e diz a senhora, sem pestanejar, que o governo agiu com bom senso?
Já percebemos que o PS vai apostar na “Macronização” da política portuguesa, alimentando casos de radicalismo espúrio para entreter extremistas de esquerda e de direita, enquanto se apresenta como paladino do “bom senso”. Mas nem todos dormem. Nem todos estão dispostos a ser parte, ou contraparte, na luta de lama que faz corar de vergonha alheia aqueles que vão ouvindo termos como “liberdade”, de escolha ou consciência, em vez de exigir ao Estado que se comporte com dignidade e consenso social na aplicação de políticas públicas. Nem todos farão de conta, na próxima oportunidade, que o governo, nada tem a ver com isto.
É hora – depois de já ouvidos os restantes protagonistas – de Luís Montenegro entrar em jogo mostrando que é o único adulto na sala, impondo ao governo que consensualize cientificamente os conteúdos da disciplina, que os mesmos sejam apreciados pelo Conselho Nacional de Educação e que se recupere a autoridade do Estado. Que se termine por via administrativa (passando incondicionalmente, os que não têm culpa desta embrulhada) o caso de Famalicão e que se arquive, em definitivo, a “guerra cultural” pseudocientífica, da ideologia de género, que esconde reais problemas de afirmação da condição feminina nas sociedades hodiernas e que, esses sim, perigam – como aliás bem o explica Sua Santidade Francisco em “Amoris Laetitia” - o múnus antropológico do conceito familiar que nos trouxe aos dias de hoje.
Esperemos! Com “bom senso”, pois claro…