Democracia Local
No rebordo das bodas de ouro da Terceira República uma pequena reflexão sobre os fundamentos da democracia a nível local não é despiciendo. E são várias as instituições que concorrem para que se possa ver traduzida a ideia de liberdade e comunidade que nos trouxe o 25 de Abril. Se do associativismo (social, desportivo e cultural) têm brotado uma dinâmica própria que cumpre, no geral, os conceitos de participação e funções para as quais as ditas associações foram estatuídas, há outras três que merecem reflexão da sociedade vimaranense.
Jornalismo. Na era das redes sociais – onde o “achismo”, a propaganda e as “fake news” imperam - uma informação isenta, verificada, livre e plural ganha relevo fundamental. Sem dispensar, por força do óbvio, o digital, onde tem aparecido alguns projetos de esforço individual que visam dar resposta a uma procura emergente deste espaço. Seria, pois, de importância superlativa que a nossa comunidade pudesse debater o futuro dos média em Guimarães. Que dificuldades para sobreviver (apoios públicos, empresas e assinantes)? Que “linkagem” social informativa e de reconhecimento comunitário (político, económico, académico, associativo etc.)? Que desafios face a novos hábitos de consumo informativo? Três motes, entre tantos outros, que mereciam uma estruturada reflexão. Para já, três certezas: a falta de critérios objetivos no apoio público camarário por via da publicidade institucional; os projetos editoriais locais sobrevivem (?) com imensas dificuldades; Braga – com quem sempre gostamos de nos comparar – tem dois jornais diários (em papel) em circulação.
Justiça. O início do século foi pautado pelo epíteto da “justicialização da política”, conforme perorava o edil da época. Acossado com um apertado escrutínio da oposição e da imprensa, muitos foram os casos – alguns com condenação de figuras da sua entourage – com que se viu confrontado e que levavam os Procuradores da República a cumprir a sua missão prospetiva na administração da justiça em nome do povo. Hoje, com uma forte pressão nacional sobre o Ministério Público e a PGR, esquecemo-nos de olhar o detalhe local. Se dantes a comunicação social e a oposição bradavam pela intervenção da Justiça em atos públicos de duvidosa procedência ética, hoje são os próprios “camaradas socialistas” a fazerem o papel. Um alto dirigente do PS vimaranense sugeriu “peculato de uso” dos seus camaradas em exercício de funções públicas na campanha interna do partido. Se o ainda Presidente do Município “convidou ao regabofe” na “lixívia” que passou ao “Caso Nélson Felgueiras”, enquanto cidadãos crentes na democracia temos o direito a perguntar: onde anda a Justiça?
Partidos. Da liturgia quinzenal em Santa Clara, à procissão das cortes locais, mediado com um Urra a Guimarães a 24 de junho - é feito o ritual partidário do burgo. Preocupados com carreiras, umbigos, intrigas e TV´s, o pessoal político da terra, ainda imaturo, dispensou o intelecto e o que Jorge Sampaio designava de “patriotismo de cidade”; a ponto de, ouvi incrédulo numa rádio local, cito de memória, «vamos encomendar a uma empresa internacional de referência a elaboração do programa eleitoral para Guimarães». É convidativo a dizer que, à falta de melhor é avisado entregar “a encomenda” a quem sabe! Abdicando do pensamento crítico – não porque não o haja, mas porque pode ser incómodo – e estratégico para o futuro do concelho, Guimarães, sem nenhum desprimor para os vizinhos, transforma-se, a passos rápidos, numa bucólica “Cabeceiras de Basto” com vistas para o mar.
A democracia, como planta de regadio, exige uma gota de todos os atores para que floresça: da minha parte a gota que deixo é o convite à reflexão.
Entretanto, boas férias!