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Desporto como lugar e tempo de igualdade e de liberdade (continuação)

Francisco Oliveira
Opinião \ sexta-feira, junho 20, 2025
© Direitos reservados
Não podemos esquecer que o assédio/abuso sexual no desporto é uma manifestação que perverte o fenómeno do Jogo, como desporto e como atividade física, e os valores que lhe deveriam ser inerentes.

Rubiales, presidente da Real Federação Espanhola de Futebol, ensombrou a conquista do título de campeãs mundiais de futebol pela seleção espanhola com o seu comportamento à homem, como dizem muitos, beijando na boca uma jogadora sem o seu consentimento. Que, antes, e depois, já tinha tido gestos e atitudes muito lamentáveis. E não se deve esquecer que meses antes do Mundial o seleccionador de futebol, Jorge Vilda, tinha sido acusado por 15 jogadoras de pôr em causa a saúde física e mental das mesmas. Já nesta altura, em vez de uma investigação séria e cuidada, a Real Federação reagiu em força, mas para ameaçar as atletas. E qual a ameaça?! Exclusão ou retirar tal insinuação!!! Mas mais, quer o governo mais progressista de Espanha, quer os Media espanhóis, sempre tão solícitos nestes casos, nada fizeram. Ora, estas atitudes só reforçaram, revelando o que todos sabemos, o sentimento de impunidade de que gozam estes senhores que usurpam o desporto em benefício próprio e dos seus interesses. Em rigor, um mundo à parte, sem escrutínio, controlado por uns poucos, sendo de preferência homens. Rubiales, sabendo tal, aproveita-se, repreende e afirma explicitamente, e depois implicitamente, que ela tinha consentido e/ou que estava a pedi-las. Ser mulher é difícil, e no jogo, como desporto ou como atividade física, continua a sê-lo, por mais belas declarações que se façam neste nosso Ocidente, filho da Antiguidade Clássica, das Escrituras Sagradas do Cristianismo, do Renascimento e das Revoluções Liberais da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, ou desta sociedade capitalista do bem-estar e do lazer, que gosta de produção e de consumir.

O poeta dizia que todo o mundo é composto de mudança – e como eu subescrevo esta afirmação – porém, para a mulher, tudo permanece igual: será a Eva de sempre (seja qual seja o imaginário dos que me estão a ler). As relações de poder e dependência são as mesmas de sempre, desde o mundo laboral ao desporto, criando um ambiente semelhante aos que conduzem a todos os abusos neste mundo. Na fábrica, na Universidade, na Igreja, na família, no jogo, quer como desporto, quer como atividade física. A forma de lidar com estes problemas é sempre o mesmo, dominam as respostas das hierarquias, desincentivando a denúncia e desvalorizando as situações, desviando os holofotes, sem investigações externas e independentes, e não punindo os abusadores e ostracizando as vítimas. Os casos que não são assim, são, infelizmente, exceções. Jenni Hermoso parece ter tido a sorte de que a conjugação de fatores diversos, mas mesmo assim, num segundo round os Media, o governo e a sociedade em geral, prestasse a devida atenção à questão da igualdade de género no desporto. E este caso, paradigmático, não só em Espanha, mas para todo o universo do desporto, quer profissional, quer amador, revelou a atitude machista dos homens (mesmo de algumas mulheres) do e no desporto em relação ao assédio e ao abuso sexual (com ou sem estupro).

Sem dúvida que a Norma da FIFA alude a estas situações – à “violação de regras básicas de conduta decente” e a “gestos e sinais ofensivos” – mas não refere explicitamente o assédio, o abuso sexual, ou mesmo a agressão sexual. Só potencialmente o encontramos no Código de Ética de FIFA. Já o Conselho Superior de Desporto, em Espanha, entende que este comportamento/condutas se subsumam a “abusos de autoridade e a “atos públicos e notórios que atentam contra a dignidade e o decoro desportivo”, e que sejam tidas por “muito graves” (isto de acordo com a legislação estatal de Espanha – Lei do Desporto e Regime Disciplinar Federativo). É preciso ser mais assertivo nestes casos, logo, é urgente reformular os diversos instrumentos preventivos e repressivos nestas lamentáveis situações, mais ou menos explicitas, seguindo as boas práticas do Conselho da Europa ou do Comité Olímpico Internacional. Mas é, igualmente, necessário estender às Federações Desportivas este espírito mais igualitário e capaz de remover estas atitudes/comportamentos do desporto, adotando regulamentos disciplinares, tipificando infrações e sanções em Ética Desportiva. Não podemos esquecer que o assédio/abuso sexual no desporto é uma manifestação que perverte o fenómeno do Jogo, como desporto e como atividade física, e os valores que lhe deveriam ser inerentes. E que o Estado não fique à margem, mas desde já seja pioneiro e obrigue a cumprir as normas, códigos e leis que promovam a igualdade de género. Mesmo que saibamos que ainda é largo o caminho a percorrer no jogo, como desporto e como atividade física, no combate à discriminação entre homens e mulheres. Como não lembrar, diante da profunda indiferença da Federação Ginástica dos Estados Unidos da América, os abusos sexuais a centenas de atletas menores durante anos do médico Larry Nassar, ou nos Jogos Olímpicos, expressão maior dos valores e virtudes do Jogo, que em muitas modalidades atribui prémios inferiores às mulheres, e sendo mais acentuado quando se trata de profissionais, quer desportos individuais, quer coletivos. A igualdade no desporto e na atividade física não é uma questão apenas de mulheres e para mulheres, mas tem de ser, pelo contrário, um desiderato de toda a sociedade. O empenho é de todas e de todos, sem excluir nenhuma instituição do nosso meio.

(Continua)

 

Guimarães, 19 de junho de 2025

Pe Doutor Francisco de Oliveira

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