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Narrativas fabricadas

José Cunha
Opinião \ segunda-feira, maio 20, 2024
© Direitos reservados
Não é verdade que o projeto da Via do Avepark tenha sido aprovado por todas as entidades. A Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte (DRAP-N) deu parecer negativo por duas vezes.

Tenho por certo que não será por falta de valores éticos - pois esses são de excelência – e é bem mais provável que a iniciativa se deva a um impulso inato, que por via da histórica matriz industrial da cidade terá sido gravado nos genes dos vimaranenses, mas verifico, com alguma preocupação, que a Câmara Municipal se tem revelado uma próspera fábrica de narrativas.

Fabricam-se narrativas para tudo e para todas as ocasiões. A criatividade e eficiência é tanta, que suspeito existir no “chão de fábrica” da Santa Clara o recurso à Inteligência Artificial, ou que então são contratados os serviços do Deucalion – o supercomputador “verde” da Universidade do Minho.

Um produto dessa fábrica é a versão do processo da via de acesso ao Avepark que o Presidente da Câmara tem vindo a repetir, como aliás aconteceu na última Assembleia Municipal. Este meu sarcasmo é a reação alérgica que tive a essa narrativa falaciosa.

Nessa Assembleia foi por ele dito que um cidadão de Guimarães fez uma queixa à IGAMAOT, a qual lhe deu provimento por questões ambientais difusas do estado e remeteu para o Ministério Público, que deu seguimento e interpôs uma ação judicial para defesa de interesses ambientais difusos do estado. Foi também mais uma vez repetido que nada pode ser apontado à CMG, pois o projeto foi apreciado e aprovado por todas as entidades (40) num calvário que demorou três anos.

Desta narrativa, ressalta desde logo como inaceitável – por faltar à verdade de forma consciente – a personalização da queixa apresentada à Inspeção-Geral do Ambiente (IGAMAOT). É inaceitável não porque me sinta incomodado com essa honra, pois essa medalha não me pesaria no peito, mas porque individualiza a representatividade da queixa, apesar de ser do conhecimento do Presidente da Câmara que esta partiu de uma Organização Não Governamental de Ambiente e conta com largo apoio da comunidade.

Não é verdade que o projeto da Via do Avepark tenha sido aprovado por todas as entidades. A Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte (DRAP-N) deu parecer negativo por duas vezes. Ainda assim, e já na qualidade de Entidade Regional de Reserva Agrícola Nacional, a DRAP-N viria a dar autorização para uso não agrícola dos solos, mas é exatamente esse ato administrativo que a IGAMAOT e o Ministério Público entendem ser ilegal. E, para além disso, o Ministério Publico também está a impugnar atos administrativos da CMG por violação do PDM na parte respeitante à Estrutura Ecológica Municipal, factos sempre omitidos na narrativa da Câmara.

O parecer da IGAMAOT não deixa dúvidas quanto aos impactes ambientais da Via do Avepark. Ignorando essa e muitas outras evidências, o nosso Eco-Presidente, que dizem ter desencantado em 2013 o desígnio das questões ambientais em Guimarães (mais uma narrativa made in Santa Clara), e que afirma repetidamente que desenvolvimento sim, mas com respeito pelo ambiente, o que faz na prática é ambiente sim, mas desde que não atrapalhe o desenvolvimento.

Caros vimaranenses, enquanto houver procura e consumo das narrativas fabricadas em Santa Clara, o espírito empreendedor e os genes industriais vão querer mais lucro e o negócio vai aumentar de escala. Por isso, não se iludam com a embalagem, tenham o cuidado de ler o rótulo e consumam com moderação.

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