Navegação à vista
Existe em Guimarães um consenso sem qualquer senso que veio expor (a quem quer ver) a ausência de visão estratégica no ordenamento do território concelhio.
O consenso é (pelo menos) entre as duas únicas forças políticas com assento no executivo camarário, e teve fundamento nos números da estimativa que o Instituto Nacional de Estatística (INE) divulga anualmente, que revelaram um decréscimo contínuo da população residente no concelho de Guimarães. Em ano de eleições, e face aos dados de 2019 que faziam do município o campeão do Norte na perda de população, ambos concordam que o problema deve ser objeto de estudo e reflexão, mas ambos concluem, desde logo, que a causa está na falta de habitação por escassez de terrenos onde seja permitido construir, e que, portanto, a solução é alterar o Plano Diretor Municipal.
Ambos colocaram no seu programa eleitoral o aumento da área e capacidade de construção nas vilas e freguesias, tendo o Presidente da Câmara afirmado que "o atual Plano Diretor Municipal está muito restritivo nas fraldas do território concelhio e temos de resolver essas zonas, criando centralidade”.
A falta de senso do consenso começa pela solução sugerida para aumentar o parque habitacional. É insensato, e até mesmo criminoso, libertar terrenos em espaços rurais para a construção de novos edifícios para habitação quando todas as orientações estratégicas nacionais e europeias vão no sentido contrário.
O Programa Nacional das Políticas de Ordenamento do Território preconiza a contenção da urbanização fragmentada e da edificação dispersa, a contenção dos perímetros urbanos em zonas rurais e a contenção da artificialização do solo rústico. Por outro lado, sugere uma aposta na reabilitação e regeneração urbana e em políticas específicas de arrendamento para suprir eventuais carências habitacionais.
Entretanto, os dados preliminares dos censos de 2021 divulgados pelo INE deitaram por terra toda a lógica argumentativa das soluções propostas, revelando que apenas perdemos 1.236 habitantes em relação aos censos de 2011, representando um decréscimo de 0,8%, bem longe dos 3,6% das estimativas anuais e bem melhor que a média nacional (-1,9%).
Numa análise mais pormenorizada podemos verificar que a perda de população das zonas periféricas não foi por deslocação para as freguesias contíguas dos concelhos vizinhos pois esses também perderam habitantes. O que também é facilmente constatável é que a perda populacional não será por falta de edifícios ou de alojamentos, pois estes aumentaram e superam largamente o número dos agregados. Na União de freguesias de Arosa e Castelões, onde a perda relativa foi a maior do concelho, foram contabilizados 478 alojamentos e apenas 280 agregados familiares.
Pois bem, afinal a perda de população terá sido residual, e não existem evidências de que tenha sido motivada por falta de alojamentos, mas ainda assim, não desistem da insensatez de permitir e incentivar a ocupação de solo com novas construções. A circularidade da economia, a sustentabilidade ou a biodiversidade devem ser uma referência permanente e não conceitos abstratos do discurso verde de Guimarães que se exibem em alguns casos, mas que se ignoram em tantos outros.
Neste medir de forças entre a sustentabilidade com base nas orientações estratégicas nacionais e vontade política suportada em lógicas do século passado, quem sai a ganhar é a popularidade dos políticos e os interesses imobiliários e quem perde é o território, o ambiente, somos todos nós, mas em especial as novas e vindouras gerações.
Fica assim exposta a ignorância ou desconsideração das orientações e boas práticas de ordenamento do território, levando a concluir que em Guimarães o seu planeamento não tem estratégia e a sua gestão é feita por navegação à vista, com a agravante de que, e como é bom de ver, tem visão curta aquele que tem o olhar focado no seu umbigo.