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 O caso do selecionador

Eduardo Fontão
Opinião \ segunda-feira, outubro 17, 2022
© Direitos reservados
Alguém acha normal que neste país, um contribuinte, por mais alto que seja o seu rendimento, entregue 64% do seu rendimento bruto ao Estado (53% de IRS e 11% de Segurança Social)? Eu não acho!

Foi conhecido, na passada semana, o acórdão do Tribunal Arbitral que veio dar razão à Autoridade Tributária no diferendo que esta mantinha com o selecionador nacional – Eng. Fernando Santos – relativo a liquidações adicionais de IRS para os anos de 2016 e 2017.

De uma forma muito resumida, as correções efetuadas pela AT, assentam no seguinte:

O Eng. Fernando Santos foi contratado em Setembro de 2014, para o cargo de selecionador Nacional, não de forma direta ou individual, mas através de um contrato de prestação de serviços, com uma empresa controlada por si e pela sua esposa, e que a cujos quadros pertencia. Basicamente, esta sociedade contratualizou com a Federação Portuguesa de Futebol prestar-lhe os serviços técnicos de supervisão e coordenação de todas as seleções nacionais da FPF, bem como a orientação e preparação da Seleção Nacional A, ficando ainda a cargo da dita sociedade a contratação e pagamento à restante equipa técnica, nos termos por esta definidos.

Um enquadramento diverso do que, no entendimento da AT, é habitual quando qualquer um de nós é contratado para desempenhar uma determinada função numa entidade: ser admitido nos quadros da entidade patronal e receber um salário no final do mês, ou, em determinadas circunstâncias fazê-lo através de um contrato de prestação de serviços e passar Fatura-Recibo (o comummente chamado “recibo verde”) das importâncias recebidas.

Entende ainda, a Autoridade Tributária, que tal estrutura teria sido “montada” exclusivamente com o intuito de obter vantagens de redução da tributação, que é claramente mais baixa em IRC do que em IRS. E que estariam desta forma preenchidos os requisitos para a aplicação da cláusula geral anti-abuso, sendo assim tributados os referidos rendimentos em sede de IRS, do que resulta um valor adicional de imposto de aproximadamente 4,5 milhões de euros, para os referidos exercícios fiscais.

Em primeiro lugar, julgo ser pacífico e poder-se dizer, que os serviços prestados através de uma empresa, beneficiam de uma tributação mais baixa. A taxa normal de IRC que incide sobre o lucro das empresas é de 21%, acrescida de uma taxa de derrama municipal que poderá ir até 1,5%. Para lucros acima de 1,5 e até 7,5 milhões de euros, como parece ser aqui o caso, aplica-se ainda uma taxa adicional de 3% (derrama estadual).

Taxas obviamente, bastante mais baixas do que aquelas que se aplicariam caso os mesmos rendimentos fossem tributados em sede de IRS, que para os valores aqui em questão seriam de 48%, à qual acresceria ainda uma taxa de solidariedade de 2,5% para os rendimentos entre € 80.000 e até € 250.000 e de 5% para os rendimentos acima de € 250.000.

Já para não falarmos de, como é relatado no acórdão do TA, “uma diminuição significativa das contribuições para a Segurança Social, que incidiu somente sobre os referidos vencimentos enquanto gerentes das empresas, ao invés de incidir sobre a totalidade das verbas recebidas da FPF “.

Sem querer entrar na discussão sobre a decisão do tribunal arbitral e sobre a minha concordância ou discordância com a mesma, deixo algumas questões para reflexão:

Não estará o contribuinte no seu pleno direito de escolher a forma jurídica, para contratualizar os serviços que irá prestar, que lhe é mais vantajosa fiscalmente?

E assumindo-se que terá esse direito, estará assegurado que o Português comum, que todos os dias se levanta para ir trabalhar e receber um salário muitas vezes miserável, está em condições de igualdade e poderá beneficiar das mesmas opções que são colocadas à disposição dos contribuintes de profissões de alto valor acrescentado?

E por último e mais importante: alguém acha normal que neste país, um determinado contribuinte, por mais alto que seja o seu rendimento, entregue 64% do seu rendimento bruto ao Estado (53% de IRS e 11% de Segurança Social)? Eu não acho!

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