O centenário do Vitória
No dia 17 de dezembro de 1922, no terreiro fronteiro ao cemitério da Atouguia, o Vitória Sport Clube, em vez do anunciado Maçarico Sport Club, da Póvoa de Varzim, teve pela frente uma seleção “um tanto estropiada” de jogadores de clubes poveiros. Para a história, ficou registado o resultado de 4-1, a favor dos vimaranenses.
Aquela data assinala o mais antigo registo da Vitória, até hoje conhecido, embora, por uma qualquer convenção cuja fundamentação ainda desconhecemos, se assinale o dia 22 de setembro como a data da sua fundação. Seja em que dia for, este ano, celebra-se o primeiro centenário. Conhece-se mal a primeira década da história do principal clube vimaranense.
Apesar da importância que o Vitória Sport Clube adquiriu ao longo do século XX, e que o tornou num dos principais embaixadores da cidade de Guimarães, não tem havido qualquer investimento no estudo da sua história pelo clube, em especial das suas primeiras décadas, que continuam a ser contadas com base no que diz a tradição, quase toda ela de transmissão oral, mas sem confirmação documental.
A história oral é uma área da investigação que tem ganho notoriedade desde meados do século XX, com a crescente facilidade do recurso de gravadores de som, que permitiram que os registos de relatos orais ganhassem relevância como fontes históricas, a par dos documentos das fotografias e, cada vez mais, dos
registos de imagem em movimento.
Ao longo das décadas, a história oral foi aperfeiçoando a sua técnica e a sua metodologia de investigação, tornando-se especialmente útil no registo de história de vida. Os depoimentos orais tornaram-se numa ferramenta recorrente nos estudos de história contemporânea. No entanto, têm problemas que obrigam a que os testemunhos recolhidos tenham que ser objeto de um trabalho rigoroso de crítica e análise do seu conteúdo.
Todos sabemos que o mesmo acontecimento, quando narrado por testemunhas diferentes, tende a ser contado de maneiras diferentes, sem que qualquer das testemunhas esteja a mentir deliberadamente. E, se isto é verdade para algo que sucedeu ontem ou há apenas algumas horas, muito mais o será quando escutamos um testemunho do que aconteceu há anos ou décadas.
Mas esse não é um problema para o investigador criterioso: a crítica interna e externa das fontes, nomeadamente confrontando-as com outros documentos disponíveis, é algo que os historiadores fazem em relação a todos os documentos com que trabalham. Mas esta é uma falsa questão quando se trata de um assunto que ocorreu num tempo de que já não há sobreviventes com memórias para contar.
Infelizmente, da fundação do Vitória já não há ninguém vivo a quem possamos entrevistar para perguntar como foi. O que não quer dizer que não seja possível saber muito mais do que aquilo que se sabe, com recurso às fontes históricas disponíveis, quer voltando a olhar para as que já são conhecidas, quer procurando o que ainda não foi encontrado, nem tratado.
Está demonstrado, porque os documentos o demonstram sem margem para dúvidas, que a primeira direção do Vitória Sport Clube não é a que se supunha ser, mas uma outra que a antecedeu, constituída por gente muito jovem e presidida pelo filho do político republicano Mariano Felgueiras, que tinha o mesmo nome e que, há época, contava pouco mais de 18 anos.
Se o Vitória Sport Clube assume ou não oficialmente essa direção como a sua primeira direção, esse não é um problema da investigação histórica, mas um problema do Vitória Sport Clube. Até porque não existe essa coisa chamada história oficial, a não ser em regimes totalitários. Para nós, este é um problema resolvido, mas levanta uma questão muito mais interessante e intrigante: porque é que os primeiros dias do Vitória caíram no esquecimento? O trabalho para se responder a essa pergunta está em curso. Estou certo de que teremos resposta. Do que sabemos, dos documentos que já estão tratados, é que da história da primeira década do Vitória ainda há muito de interessante para contar. Será contado, fica a promessa.
PS: Já depois de escrita esta crónica, chegaram notícias dos resultados das eleições para os órgãos sociais do VSC, que chegaram acompanhados de uma promessa de mudança de rumo. Que se mude o que houver para mudar, mas faço votos para que as mudanças não perturbem, nem atrasem, o processo de inventário do património histórico e documental do clube que, finalmente, está em curso.