O desporto como lugar e tempo de igualdade e de liberdade (continuação)
O Barómetro da Corrupção, produzido pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL) para a Fundação Manuel dos Santos (FFMS) neste ano de 2024, mostra que nove em cada dez portugueses consideram que a corrupção é um problema grave no país. E, mais do que agudo, é generalizado. O documento aponta que o futebol lidera as esferas sociais consideradas mais expostas à corrupção, logo seguido pelos partidos políticos, pelas autarquias e pelo Governo. Sim, o futebol (no caso português), ou generalizando (mesmo correndo o perigo de uma falácia lógica), o jogo está sujeito à aldrabice e à intrujice, falseando resultados e classificações. E, na perceção generalizada dos portugueses, no futebol de sobremaneira.
A suspeita é mais do que velha no mundo do desporto, e do futebol em particular, sobre um suposto sistema que mina o desporto rei em Portugal. Este sistema, que um antigo presidente do Sporting Clube de Portugal, com um sotaque inconfundível, gritou pela urgência de um 25 de abril no futebol português. Portanto, quando este dito sistema prejudica um dos três cancros do nosso futebol – Porto, Benfica e Sporting –, sempre e os mais favorecidos (sem dúvida!!!) pelo mesmo (a existir como o proclamou o dito presidente), é vê-los a justificar quem comeu mais bolo ou bolo a mais. Enfim, o desporto, e no nosso caso, o futebol em particular, como todas as realidades humanas está sujeito à corrupção, à fraude, ao jogo de interesses mesquinhos (sempre revestidos hipocritamente de altos valores e princípios), e, não raras vezes, encobertos por uma certa comunicação social, fazem do jogo, como desporto e atividade física, a negação do lugar e tempo de igualdade e de liberdade. De maneira própria destaco as autoridades desportivas, como as instituições federativas e associativas, e particularmente a arbitragem.
Em 2021-2022 rebentou o caso Bruno Paixão, como os “apitos dourados”, que antes e depois, não deram em nada. Conversa e mais conversa, horas e papel de palavreado que embrulha tudo em suspeitas e no fim ninguém remata para golo. Isto, logicamente, se envolver os três do costume. E, finalmente, após alguns momentos de grande aparato paga sempre a fava o mensageiro, ou melhor, o árbitro que caiu em desgraça. Bruno Paixão afirma estar em grandes necessidades (financeiras e amorosas) e jura nunca ter sido corrompido – podem levar o meu computador para o analisarem. As ligações são conhecidas, pois o clube a quem habitualmente favorece com os seus erros é sempre o mesmo, e qual criança acabada de nascer exclama: “Na altura, quando recebi o dinheiro da empresa do José Bernardes, era árbitro. Mas nunca pensei nisso. Tenho a consciência tranquila. Nunca me passou pela cabeça que pudesse vir a ser associado desta maneira ao José Bernardes” (in Expresso de 18 de fevereiro de 2022). Que candura de afirmações que desde de menino estou, infelizmente, habituado a assistir no futebol português. E, depois de tanta roupa suja, e mal lavada, tudo acaba arquivado num gavetão malcheiroso que mais dia menos dia será de novo por todos presenciado. Mas como diz o ditado português – quem paga sempre, é o mexilhão. Lembram-se como o Boavista pagou as favas e o Porto escapou pelos pingos da chuva?! Assim não é possível ter um futebol, ou um desporto em geral, que seja promovido como lugar e tempo de liberdade e de igualdade, pois alguns partem sempre muito mais à frente.
A justiça desportiva em Portugal, que tem a missão de corrigir estes atropelos ao jogo como lugar e tempo de igualdade e de liberdade, é forte com os fracos e muitíssimo mole com os fortes. E acresce a perceção geral dos portugueses de que as decisões disciplinares são lentas. E depois é ouvir e ler os juristas e os políticos, com pseudo palavras sábias – não tomar a árvore pela floresta –, sempre que os ditos grandes estão envolvidos em casos que põem em causa as regras e leis que as ditas instituições, com os clubes, aprovaram. Sendo lenta e ineficaz não contribui para o apaziguamento de um ambiente feroz e de minudências em que vivemos, de sobremaneira, no futebol português. Esta ineficácia chega a parecer tática de um dos grandes em relação a outro grande, quando rapidamente se aplica um castigo, mesmo que provisoriamente, e tardiamente se decide. Com os pequenos o caso é inexplicável. Se no caso dos grandes a comunicação social os explora para além da exaustão, os outros são enviados para as calendas gregas (talvez mereçam uma nota de rodapé, nunca uma capa). E, se mais tarde se reconhece o erro, nada se pode fazer a não ser assumir o erro e pedir desculpas. E depois lá aparecem, como sempre, os agitadores da revolução no futebol, na justiça desportiva, etc, etc… Tretas!? E tudo fica como dantes, num pingue pongue este as autoridades desportivas e o governo, entre a comunicação social e os adeptos, etc. Pois, se o desporto tem as suas especificidades (que imporá muitas vezes um equilíbrio difícil entre, por um lado, decisões o mais céleres possíveis, por força do seu impacto na própria competição, como, por outro lado, as garantias de um processo justo), e não pode nem deve dispensar o direito ao recurso, o resultado é sempre (como perceção generalizada) a favor dos grandes (em Portugal, na UEFA e na FIFA).
Continua