O desporto como lugar e tempo de igualdade e de liberdade (continuação)
E o desalento do desporto nacional, em particular do futebol, continua. Num país da justiça com a velocidade do caracol e os buracões da lei nacional e desportiva, os mais bafejados pela vida são sempre capazes de empurrar com a barriga, para as calendas gregas, as decisões finais. Claro, os mais fortes protelam e são capacitados, por influência e dinheiro, para adiar até à lixívia que lava mais branco – falta de provas, etc, etc, arquivado. E a prova disso é o ruído provocado, mas pouco escamoteado, pelas denúncias de uma procuradora ao Benfica (mais propiamente o seu ex-presidente, Filipe Vieira, acusado também na Operação Lex e Saco Azul) e ao Setúbal. E começa o ruído sempre na condicional – Se o Benfica vier a ser condenado… Fizeram tal ruído quando foi com o Leixões!? Claro, os menos atentos aos corredores do futebol português nem se lembram. Ou, quando foi entre o Porto e o Boavista. Quem pagou mais caro? Sem dúvidas, o Boavista. Esta é a justiça portuguesa a funcionar, e de sobremaneira na justiça desportiva. Este caso dos e-mails, que creio que vai ser muita parra e pouca uva (tal como o apito dourado e a e-toupeira), mesmo que a senhora procuradora Cristiana Mota o defina como um “plano criminoso” em troca de dinheiro, apoios mútuos na Liga e falseamento de resultados, como “grave violação dos deveres que lhes eram impostos, designadamente de pugnar pela integridade, verdade, lealdade e correcção”. Será que o Benfica vai ser suspenso? E se o for, irá começar de cá de baixo quando regressar às competições? Ou o Paulo Gonçalves vai, mais uma vez, ser o cataventos da solução jurídica anteriormente conseguida? Não sejamos ingénuos. Quem me dera acreditar que a justiça é mesmo cega!!! Mas o Porto, o Benfica e o Sporting são como no famoso filme, Os Intocáveis. Talvez seja mais fácil fazer um novo 25 de abril. Razão tem o Paulo Gonçalves: é irreal e infundada. E acrescento: pois trata-se dos 3 cancros do nosso futebol.
O jornal Expresso, na edição de 27 de setembro de 2024, na p. 29 do Primeiro Caderno, trazia a palavras gordas a fartura do desporto em Portugal – “O desporto em Portugal custa mais de mil milhões”. Que contentamento saber que este é o “valor do Ato Desportivo”. O dinheiro, as quantidades e as percentagens – e não somos ingénuos – do Orçamento de Estado, dos Clubes e Associações ou outras instituições, nunca são desprezíveis. Mas se o dinheiro faz falta, o principal são os praticantes, e percebendo essa importância talvez seja mais facilitada a tarefa de saber repartir os bens e fundos necessários para o bem de todas e de todos, da comunidade, desportiva ou não, e se promovam os valores e o espírito genuíno do Jogo. Sem hegemonias, de toda e qualquer espécie, que colocam o lucro e os resultados acima das pessoas. Porém, e apesar destas trapalhadas do dinheiro e das hegemonias, que promovem, não raramente, desigualdades e negam a liberdade, não nos contentamos com orçamentos e jogos de poder. É urgente denunciar outros lugares e tempos que não favorecem a igualdade e a liberdade entre os e as que praticam o jogo, quer no desporto, quer na atividade física. Como olhamos os e as atletas que fizeram uma opção sexual diferente da maioria dos que praticam os desportos e a atividade física? E como olhamos as mulheres que, na alta competição, ou na prática diária de desportos e atividade física, se exercitam diante dos espetadores? Como atletas menores? Como meninas? Ou como mulheres capazes dos mesmos feitos que os homens? E que lugar de igualdade e de liberdade têm, os que portando o cromossoma XX ou XY, mas que são transsexuais ou transgéneros, no desporto?
Quem tem memória recorda-se do que aconteceu ao primeiro jogador do futebol profissional inglês, Justin Fashanu, que assumiu publicamente a sua homossexualidade, em 1990. Em 1998 suicidou-se. A pressão é mais que muita e o ostracismo, e a consequente perseguição, torna infernal a existência de homens da altura deste. A homofobia, como o racismo e outras expressões que negam o respeito pelo outro e pela outra, causam dores mentais que, mais que uma perna partida, lhes tiram o chão. Quantos homens e mulheres, antes e desde então, passaram por esta desumanização de quem os não respeita e lida com elas e eles tal como são- homossexuais, transsexuais, etc. Mais que tolerados devem ser respeitados como qualquer um ou uma de nós, pois toda a gente é pessoa. Jake Daniels, com 17 anos, 30 anos depois, na época 2021-2022, no segundo escalão da Liga Inglesa, no Blackpool, corajosamente fez o mesmo: “Soube toda a minha vida que era gay e agora sinto-me preparado para me assumir e ser eu mesmo”. Porque teve este atleta de falar assim? Porque infelizmente o machismo e as fobias reinam no futebol. E em muitos outros desportos. E não nos iludamos de que hoje é diferente. Na Europa Ocidental e no Norte da América, que se gabam de serem modernas e tolerantes, ainda se perseguem e matam-se os que fazem outra opção sexual. Mesmo que se refira só como “alguma reserva”, ou que “o futebol, ou o desporto A ou B, é para homens e mulheres”, etc. Contudo, hoje é um facto que muitos e muitas mais sabem respeitar a diferença individual e cultural, e que sabem conviver e fazer amizade com todos e com todas apesar dos credos, dos partidos, dos clubes, das opções sexuais, etc.
Ou a situação dos transsexuais e transgéneros: como se resolve a situação de uma mulher, com cromossoma XY, ou de um homem, com cromossoma XX? O caso da pugilista argelina Imane Khelif, nos Jogos Olímpicos de Paris, 2024, deu relevo à questão: os possuidores do cromossoma XY são, por norma, mais fortes que os possuidores do cromossoma XX. Será legítimo continuar a separar os atletas pelo sexo? Ou teremos de começar a separar por outros caraterísticas físicas? Como se faz do Jogo um lugar e um tempo de igualdade e de liberdade neste caso concreto?
Continua