skipToMain
ASSINAR
LOJA ONLINE
SIGA-NOS
Guimarães
26 dezembro 2024
tempo
18˚C
Nuvens dispersas
Min: 17
Max: 19
20,376 km/h

O desporto como lugar e tempo de igualdade e de liberdade (continuação)

Francisco Oliveira
Opinião \ segunda-feira, dezembro 09, 2024
© Direitos reservados
Pois o mundo não é a preto e branco (estes neomaniqueísmos que redefinimos permanentemente), o mundo é mais colorido que a paleta de cores normalizada.

Lia Thomas, a primeira atleta trans a vencer uma prova dos Campeonatos Universitários dos Estados Unidos da América, hoje não está a competir, porque a federação Internacional de Natação restringiu a participação de atletas trans em provas femininas. Como podemos, ou poderemos, incluir estas e estes atletas sem gerar desigualdades e sem colocar algemas na liberdade de quem se assume, para além da biologia (e o ser humano é mais que biologia, ou se quisermos, é cultura) no seu género!? Agora, a nova política de inclusão da FINA (Federação Internacional de Natação) restringe a participação de algumas atletas trans em provas de mulheres. Nestes novos critérios de elegibilidade para nadadoras trans serem autorizadas a participar em competições femininas, definiu-se uma espécie de fronteira na puberdade masculina. Ou seja, só quem provar que não a teve antes dos 12 anos de idade ou não passou pela fase 2 de Tanner (escala científica que mede a maturação sexual e o desenvolvimento corporal com base no tamanho da pilosidade e dos genitais) será autorizada a participar. Não sei se neste tempo decorrido já encontraram, ou não, a nova categoria para a competição entre atletas trans!? Mas ser trans é uma anormalidade ou trata-se de uma pessoa inteira e completa? Será que corremos o risco de tempos passados onde excluímos os que se apelidaram de anormais ou deficientes? Será que voltaremos a ter humanos de primeira, ditos normais, e humanos inferiores e discriminados, como se fossem de segunda categoria?

Em outubro de 2020, a World Rugby baniu jogadoras trans de participarem nos Mundiais e nos Jogos Olímpicos, justificando que a segurança e a justiça estavam em causa num jogo de contacto onde as mulheres trans levariam a melhor sobre as mulheres cis (cisgénero, ou seja, uma pessoa que se identifica com o género que lhe foi atribuído no momento do seu nascimento). Foi depois desta inédita tomada de posição que o COI (Comité Internacional Olímpico) publicou, em novembro de 2021, a diretiva – Justiça, Inclusão e Não-Discriminação com Base na Identidade de Género e Variações de Sexo. Uma espécie de guia de 10 passos, com supostos critérios e aspetos éticos, sociais, culturais e legais, que se propõe para ajudar as federações desportivas a desenvolverem critérios aplicáveis a cada uma das suas modalidades e práticas desportivas. Um documento no meio da ponte, preenchido por muitas ambiguidades (na linha do pensamento de Michel Foucault), e que em tempos de construção é o melhor que se pode conseguir num diálogo que procura não discriminar ou excluir. Ou seja, capaz de fazer e de demolir pontes, até chegar a terreno firme onde ninguém fique para trás.

Em 15 de agosto de 2024, no Primeiro Caderno do Jornal Expresso, o Prof. Luís Aguiar-Conraria escrevia um artigo deveras interessante: Nem tudo é a preto e branco (p. 37). Partindo do caso da pugilista Imane Khelif, possuidora do cromossoma XY, questiona a separação dos sexos nas competições (neste caso, nos Jogos Olímpicos de Paris 2024) – “Porque não separamos também com base em outras caraterísticas físicas?” Perpassando pelo terreno do politicamente correto e da ideologia woke, sem explicitamente as referir, mas na sua conhecida ironia, alerta par os perigos dos rótulos e de como é frágil este caminho. Quando não preenchido de tantas e tantas armadilhas. Reconhece que por norma a biologia dotou o homem de mais força física do que as mulheres, e por isso defende a separação na competição. Só assim haverá justiça e a consequente igualdade. De facto, igualdade não é igualitarismo. Mas, apesar das diferenças que nos definem no sexo e no género, devemos ter as mesmas oportunidades e reconhecimento. E continua, “no caso do desporto masculino e feminino não é assim. As mulheres são piores do que os homens na generalidade dos desportos, pelo que não há uma alternativa. Para não excluir as mulheres da generalidade dos desportos de competição é mesmo necessário criar uma categoria para elas. (N.B.: falo de sexo e não de género)”. Eis o busílis da questão! Se o sexo é binário, o género que é não-binário é algo de muito mais desafiador, pois os que se apressam a proibir (que é sempre o mais fácil) esquecem-se do intersexo. Há mulheres com o cromossoma Y, e por motivos diversos, ou pessoas com XY com mutações no cromossoma Y e que, por isso mesmo, não desenvolvem as caraterísticas físicas e hormonais de sexo masculino. Como tratamos um/uma hermafrodita? Não é preciso só pôr a questão do género não-binário, a questão do sexo, que é binário, pois esta realidade já a põe e vem desde do início. Como resolvemos isto? Penso que a parte final do texto do Prof. Luís - “E se, como resultado, houver algumas atletas impedidas de entrar em competições, paciência. Há muita gente que, por uma razão ou por outra, também está impedida de participar” – não é a resposta que devemos dar. Temos de saber, e aguardo que na atitude de quem faz e desfaz pontes, encontremos o lugar e o tempo onde todos e todas, por sexo e por género, tenham lugar na competição desportiva justa e equilibrada. O jogo, como desporto e como atividade física, é para todas e para todos. Ninguém pode ficar para trás com um “paciência”. Pois o mundo não é a preto e branco (estes neomaniqueísmos que redefinimos permanentemente), o mundo é mais colorido que a paleta de cores normalizada. Entendo que será sempre possível encontrar uma nova cor ou uma nova tonalidade.

Continua

Podcast Jornal de Guimarães
Episódio mais recente: O Que Faltava #86