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O desporto como lugar e tempo de igualdade e de liberdade (continuação)

Francisco Oliveira
Opinião \ segunda-feira, janeiro 27, 2025
© Direitos reservados
Sim, o género ou a opção sexual de cada qual merece o nosso respeito e não somente a nossa tolerância.

O documento da COI supracitado, Justiça, Inclusão e Não-Discriminação (2021), apresentado como um guia de 10 passos, no passo 1, Inclusão, escreve que “todas as pessoas (…) devem ter a possibilidade de participarem no desporto em segurança e livres de preconceitos”. E continua nas suas subsecções a descrever a necessidade de tomar medidas que visem instalações e ambientes acolhedores, bem como um trabalho em conjunto que promova a inclusão e previna as discriminações. E mais, quem acompanha deve ter a devida e adequada formação para assegurar que tais questões se resolvam em concordância com os princípios propostos. Porém, esta inclusão não se pode reduzir às temáticas da moda ou da ideologia woke. Sim, o género ou a opção sexual de cada qual merece o nosso respeito e não somente a nossa tolerância. Mas pergunto, porque demoramos tanto para as situações de exclusão de pessoas com descapacidades físicas ou mentais, transplantadas ou portadoras de próteses, ou mesmo as mulheres (que tratamos por meninas)?! Urge, e era para ontem, agir e promover a inclusão em todas estas outras situações que marcam de dor e marginalizam tantos outros e tantas outras.

Começo com o vimaranense, que não gosta muito de futebol, Hélder Vareta. E nele tantos outros e outras que merecem, por direito, a jogar, seja como desporto, seja como atividade física. Em agosto de 2008, num passeio de bicicleta aconteceu o pior – caiu e bateu de costas numa árvore, ficando paraplégico. Mas o Hélder, com tantas e tantos, não se resignou, e fez das pedras do caminho os degraus da sua vida desportiva. Numa maratona solidária no Porto, por um mero acaso, alguém faltou e ele foi convidado para ocupar o lugar vago para a prova de bicicleta em cadeira de rodas. E, mais uma vez por fortuna, alguém ligado ao desporto em cadeira de rodas convidou-o para experimentar basquetebol no APD Paredes. Está encontrado o seu desporto, que ele gostava de praticar com Guimarães ao peito. Porém, o desafio é não esperar que a fortuna bata à porta destas mulheres e homens, mas que a sociedade a que pertencemos crie as condições para que possam viver o jogo, como desporto ou atividade física. Que temos feito para isso? E se o fazemos, como o fazemos? Diz o Hélder que gostava que houvesse desporto adaptado em Guimarães, quer pelas entidades públicas, quer pelas entidades privadas e coletivas. Mas numa sociedade portuguesa, e Guimarães não é exceção, o futebol (e pouco mais) é tudo, absorvendo todo o investimento e subsídios. Enquanto gastamos dias e horas somente com um desporto/modalidade, estes e estas continuaram a depender da fortuna e do acaso. Mas o Hélder é um homem decido, casado e pai, e sabe que são essas relações íntimas e comprometidas que lhe dão razão para viver, e o põem disposto para o que for preciso para trazer Guimarães o seu desporto adaptado. Bem dizia Nietzsche, se tivermos uma razão para viver, conseguimos suportar quase tudo.

Mas os casos multiplicam-se por tantos outros. Dinis Coelho, hoje com 20 anos, joga futsal e é um exemplo de vitalidade. A 14 de julho de 2004 deu entrada no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa. Transferido para o Hospital lisboeta de Santa Marta, um cardiologista com um ecocardiograma deteta um coração muito dilatado por causa de uma artéria coronária anómala. Em sérios riscos de vida, após o coração entrar em isquemia, é operado. A cirurgia correu bem, mas nas semanas seguintes fez uma septicemia muito grave, e teve de ser alimentado por via endovenosa. Superado este momento, como um lutador inabalável, irradia energia e alegria, pulando de vida. E com uma fé inabalável na Virgem de Fátima. Tirou a carta e estuda na universidade Engenharia Química. E tornou-se um jogador exemplar de futsal, pois aprendeu a respeitar o corpo, faz a medicação necessária e todos os anos tem uma consulta de cardiologia. É um coração valente. Ou o Miguel Pacheco que uma amputação de braço parecia que o derrotaria. Deu a volta e é campeão de paraciclismo. A fresadora levou-me o membro superior direito, mas o seu instinto de sobrevivência falou mais alto. Ele próprio fez o torniquete que estancou a hemorragia e enfrentou internamentos e três operações. Transformou a tragédia numa vitória, com o seu caráter de lutador e persistência, sobretudo nas coisas mais pequenas, focou-se na recuperação e aceitou a sua nova condição. Ou seja, não atirou a toalha ao chão. Faz parte da academia EFAPEL de Ciclismo, no paraciclismo. E não se contenta somente com o paraciclismo de estrada, hoje quer aceitar também o desafio do paraciclismo de pista. E a sua vida é como a de tantos, ama a esposa e o filho.

São exemplos extraordinários de resiliência e mestria, que no caso do Miguel Vieira (que se dá em situação socio-médica mais grave), cego em Angola, desde os 19 anos, numa pausa de trabalho. Porém, na sua força de vencer, não ficou parado e resignado. Procurou em Portugal, após um momento de desespero, o que em Angola não encontrou. Mas com ele diz – não sou cego, tenho uma lesão nos olhos –, e no desporto, que desde os 14 nos praticava em Angola – o judo –, reencontra a motivação para voltar a vencer. Na Ameixoeira regressa ao seu percurso desportivo, marcado por muitas alegrias e medalhas. Não se deixa definir pela cegueira ou as pedras de tropeço, ele faz parte daquele grupo de humanos que usam as pedras da vida para fazerem degraus que os elevam. Ama a sua mulher e os seus filhos, trabalha como administrativo e é campeão paraolímpico em 2022 na categoria dos 60kg. Simplesmente, fantástico! Ou os muitos transplantados, que em 2024 Portugal recebeu nos Jogos Europeus para Transplantados, que em vez de reclamações lacrimosas, presenciamos mulheres e homens que não se lamentam, mas que fazem de cada instante e de cada dia a sua eternidade e tempo e espaço de novas oportunidades. O António Rodrigues de Seia, hoje com 50 anos, que descobre o ciclismo quando precisava de um transplante de fígado. O André Marques de Águeda, ainda sem o seu transplante de rim, pela Associação portuguesa de Doentes Renais é convidado, e aceita, integrar a equipa de atletismo. Ou a Maria João que, aos 46 anos, que estava na lista para receber um fígado e que não sabia se chegaria a tempo, inscreve-se nos Jogos Mundiais para Transplantados em Málaga. E que após o agravamento da sua doença, que a faz precisar de um transplante de médula óssea, 10 anos depois, não a faz desistir. Agradecido a estes heróis da realidade, recordo-me de uma música brasileira – “Vem, vamos embora, que esperar não é saber, quem sabe faz a a hora não espera acontecer”.

Continua

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