O desporto e a economia (continuação)
Por falar em desvirtuação do jogo, do desporto e das atividades físicas, quando o dinheiro e o negócio se tornam o valor mais alto da competição, como não deixar (sobretudo para nós, apaixonados do desporto-rei – o futebol) de recordar os escândalos dos quais se reveste este jogo tão simples, quer entre nós, quer nas esferas internacionais do mesmo. A FIFA, supremo órgão do futebol internacional, instituição sem fins lucrativos, mas – e pasmem-se – com mais lucros que muitas grandes empresas no mercado da bolsa. Estranho!? De sobremaneira, recordar o fim do reinado de Joseph Blatter – em 2015 rebentou a bomba – herdeiro de outro ator de ética muito duvidosa – João Havelange.
O futebol parece dominado, quer a nível nacional, quer a nível internacional, por uma elite que vê cifrões (de preferência dólares) onde os adeptos vêem paixão. Um mundo de tanto dinheiro, em instituições supostamente que não buscam o lucro, e dominada por gente ambiciosa, a corrupção torna-se um modo de vida. A FIFA é uma máquina de fazer dinheiro. E o campeonato do mundo, o Mundial, é a sua galinha dos ovos de ouro. No ano anterior, 2014, o Mundial do Brasil rendeu (livre de impostos) 4 mil milhões de dólares. Este é um negócio pouco claro, que a vaidade das nações e a necessidade de se legitimarem, onde os direitos televisivos, do marketing e sponsors, dos licenciamentos e dos bilhetes, e dos patrocínios, como os processos de candidatura, geram muito dinheiro e muito poder. O futebol continua a ser o maior evento desportivo do mundo. Aqui, as questões morais são passadas para segundo plano, e, depois dos bolsos cheios, ou da legitimação de regime políticos muitos mais que duvidosos, são resolvidas com respostas pseudo-humanitárias com os trocos que sobraram.
Os esquemas de subornos, lavagem de dinheiro e fraudes, branqueamento de capitais, extorsão e fuga ao Fisco, são hábitos mais do que adquiridos, não só nos clubes, e mais grave ainda, nos órgãos nacionais e internacionais do futebol. A questão é que, mais que figuras e personagens, é esta a mentalidade, o modus operandis, das elites que presidem a estas instituições do futebol. Neste caso paradigmático, o Mundial do Brasil em 2014, as renumerações pagas pela FIFA não são públicas, mas no relatório financeiro de 2014 há mais de 115 milhões de dólares (103 milhões em euros) em despesas com pessoal correspondentes a 474 funcionários. Ora, a média é superior a 18 mil euros mensais (um escândalo, mesmo tendo em conta que nem toda a gente ganhará o mesmo). O Comité de Ética da FIFA, que até Infantino, e apesar de tudo, foi o equilíbrio ético desta instituição, suspendeu por oito anos o Sr. Blatter por suspeitas de corrupção num pagamento de 2 milhões de francos suíços feito a Michel Platini, relativo a serviços prestados à FIFA, no ano de 2011. Eis as cúpulas destes órgãos. Corromperam o negócio do futebol mundial, europeu e nacional, para servir os seus interesses e para enriquecerem. Blatter, como o seu antecessor, e hoje o seu sucessor, teceu uma teia que alimentava os interesses de boa parte dos homens (e mulheres) com capacidade de voto para manter a presidência da instituição.
E Gianni Infantino, e não foi preciso esperar muito, que tinha negociado em segredo com dois grandes clubes (que merecem sempre tratamento especial, exatamente como em Portugal como os clubes do regime), o Paris Saint-Germain e o Manchester City, e os seus poderosos donos, com o propósito de evitar que as violações das regras do fair play financeiro, estabelecidas pela própria organização, fossem parar à secretária do ex-procurador-geral da República em Portugal, Cunha Rodrigues. Mostrou, assim, o seu verdadeiro rosto, evitando as graves consequências para estes clubes e os seus poderosos donos. E todos sabemos que esta regra, criada pelo muito suspeito Michel Platini, surgiu, exatamente pelo surgimento destes senhores ou nações poderosas e endinheiradas – o PSG detido pelo Qatar e o Manchester City pela família que governa Abu Dhabi. E assim, preocupados com os seus negócios e interesses, eles próprios violam as regras que geraram, sendo fortes com os fracos e fracos com os fortes, desde que ganhem algo com isso. Não podendo nós olvidar que em 2016, o próprio Infantino (que na altura tinha 3 carros ao seu dispor e viajava sempre em jatos privados), enfraqueceu este Comité de Ética (afastando as vozes críticas) e impondo alterações ao Código de Ética, sempre com o mesmo objetivo – mais dinheiro e menos ética (mas, com grande descaramento, sempre parecendo que a ética é algo muito importante). Com uma falta de democracia genuína no mundo do futebol, e mantendo o sistema sempre igual, instrumentalizando o futebol pela política e pelo poder económico-financeiro. Estas instituições, que supostamente existem para defender e promover o futebol, aceitam que um Estado contorne as regras e ocupe um lugar no órgão de governo em trocas de obter dividendos. Como na altura afirmou Miguel Poiares Maduro, o cartel político do futebol determina que a sua cultura é estranha aos princípios do Estado de direito. Sem dúvida uma cultura de corrupção que mina o que hoje tantos dizem ser fundamental preservar, o negócio do futebol. Continua…