O desporto e a economia (continuação)
Se o Papa Francisco é um desafio, com toda a doutrina Social da Igreja, e em particular sobre o desporto, não deixa de ser, igualmente, um desafio aguçado o panorama em que hoje o desporto é jogado. Mesmo que seja como entretimento, ou como negócio. O que fazer perante a beleza arquitetónica do novo Santiago Bernabéu e, sobretudo, o investimento presente e futuro que ele significa para o desporto, no já enorme clube que é o Real de Madrid e a La Liga. Mais de €800 milhões, para 84,744 espetadores sentados (mais 3 mil que a versão anterior). Segundo a revista Forbes, o valor acrescido do real de Madrid está avaliado em €6,07 mil milhões, e que pertence aos seus quase 100.000 sócios, que pagam uma quota anual (adultos) de mais de €164. Com a sua cobertura retrátil, em 20 minutos, e o seu relvado ocultável automaticamente, faz dele um recinto estanque e com uma acústica melhorada, tornando-o capaz de ser palco de outros espetáculos. Este investimento quase insano torná-lo-á uma máquina capaz de produzir receitas. Que valores promove hoje o desporto de alta competição? Que desafios colocam à prática desportiva e ao exercício físico esta envolvência económico-financeira do desporto? Estarão em riscos os valores fundacionais do jogo, quer como desporto, quer como prática do exercício físico? Ou outros valores se levantam no horizonte do jogo? Terá o fair play os dias contados em nome de resultados a qualquer preço?!
Por outro lado, os critérios, ou mesmo as regras, que deviam regular o saudável funcionamento da competição desportiva, não raras vezes – e mesmo a nível europeu ou internacional –, tal como no futebol português, favorecem sempre os mais fortes. Ou como diz o sábio povo português – “Forte com os fracos, e fraco com os fortes”. Por que não citar o escandaloso tratamento com o Vitória Sport Clube por parte da UEFA na época 2023-2024. A nossa parceria com o fundo V Sports, dono do Aston Villa, e com 46% das ações da nossa SAD, mereceu por parte da UEFA um tratamento diferente de situações similares. E, por isso pergunto, porque não agiu a UEFA com a mesma dureza com o Girona e o Manchester City, ou mesmo a situação da Red Bull ou do City Football e os muitos clubes que estão em parceria com esta empresas?! Como se explica a rapidez que teve a UEFA em considerar a subsidiária do fundo soberano do Catar (QSI – Qatar Sports Investments) como capaz de “total cumprimento e zero riscos”?! Mas será possível, num ou noutro caso, provar que não há influência decisiva? Mas sem dúvida, o tratamento é diverso, e esta diversidade parece depender de quem é o investidor e os clubes/ligas em questão. Ou se quisermos, estamos diante de um jogo de milhões.
É perante estes desafios e factos que ainda mais me espanto (isto, se eu fosse ingénuo), por tentar perceber como os nossos ditos grandes clubes, que vivem com pés de barro, que estão, ou tecnicamente falidos, ou em sério riscos de tomarem consciência do seu insignificante valor a nível europeu (a sua suposta hegemonia no futebol português só tem tirado competição à Liga Portugal), e, consequentemente, valendo hoje o futebol português – a nível de selecção – pelos seus jogadores que não jogam na nossa Liga. Não estranham?! Continuamos a dormir na parada!!! Serão, julgo eu, vítimas da sua jactância. O capital social destes 3 clubes está permanentemente em risco. Assim, em fevereiro de 2024, o capital social, ou seja, o dinheiro que foi injetado pelos accionistas e o capital próprio corresponde ao que uma empresa mantém depois de saldar todas as responsabilidades. Ora, sabemos que o SLB, mesmo que as SDAs não incorporem os mesmos ativos e passivos, está muito melhor que as SADs do FCP e do SCP (já para não falar da SAD do VSC e outras). Ora, se estes estão nestes preparos, como estarão os ditos pequenos, mesmo que sejam o nosso Vitória ou o nosso vizinho Braga? Por exemplo, o SCP tinha no seu capital próprio €67 milhões, mas ainda distante dos €150 milhões de capital social. Por isso, o seu auditor tem de lhe enviar um alerta. Ou, nos últimos dias da presidência do Pinto da Costa, como as engenharias financeiras e vãs promessas procuravam mascarar uma realidade tâo grave como a do FCP. Como podem os clubes e a Liga Portugal competir com as grandes ligas europeias ou enfrentarem este novo desporto empresarial?!
Mas o Anuário do Futebol Profissional Português, 2022-2023, mostra que a Liga Portugal, com o suporte da EY, tem um plano estratégico para 2023-2027, que se baseia em cinco eixos estratégicos: compromisso com o adepto, elevação do produto, credibilização pelo profissionalismo, união de todos os agentes, e futebol com responsabilidade social. Se na época 2022-2023 teve um impacto de mais de 3.504 postos de trabalho, mais de €667 milhões e mais de €228 milhões. Ou se em passivo é mais de €1.672 milhões, em ativo mais de 1.589 milhões, em gastos mais de €981 milhões e mais de €987 milhões, Ou então, 95% dos jogos foram transmitidos (só questiono os horários impróprios que se impõe, e sempre, aos mais pequenos), com uma exposição mediática total de €2.329 milhões. Ora, isto corresponde a 0.3% do PIB (para o qual contribuiu com €667 milhões), ou um aumento de 8% em relação à época anterior, e gerou um valor superior a €228 milhões. Daqui se conclui a importância desta atividade na sociedade portuguesa, bem palpável nos postos de trabalho que gerou. Por isso mesmo, a Liga Portugal é uma estrutura empresarial que autonomizou as suas atividades em diferentes unidades de negócio (Infraestruturas, Comercial, Business School, Fundação do Futebol e a Centralização), consolidadas depois todas estas empresas quer ao nível financeiro, quer ao nível das atividades desenvolvidas. E esta realidade impõe-se, como o caso paradigmático do santiago Bernabéu retrata – o desporto, e o futebol em particular, está numa profunda mutação. De salientar que a Liga Portugal, que procura entrar nesta dinâmica nova em que os grandes eventos do jogo e de entretimento e outros (tudo pelo negócio futebol), não esquece a responsabilidade social (e aqui permanece a minha esperança de que o desporto não esqueça os seus pilares de sempre). Que o sportswashing, como expressão da indústria do desporto, e, sobretudo estacionado no Médio Oriente, fará crescer este negócio com a consequente contratação de profissionais de gestão, estrategos de marketing, técnicos audiovisuais e de entretinimento, etc, vai dar um novo rosto ao jogo. Uma indústria cada vez mais global e poderosa. Será positivo? Será que podemos cair no risco de termos um resultado final completamente diferente do que sempre foi o jogo como desporto ou atividade física?
Continua…