O desporto e a economia (parte 8)
A constituição das Sociedades Anónimas Desportivas, vulgo SAD, impostas pelos governos e instituições do futebol nacional e internacional, foi mais um aprofundar da realidade negócio no desporto, e em particular no futebol. E, perante esta realidade, eu próprio a defendi para o Vitória Sport Clube, pois a realidade impõe-se e não podemos ficar no apeadeiro da história à espera de um comboio que nunca chega. Mas se esta é a realidade que nos impuseram, é-o igualmente o negócio a que se botou o jogo, quer como desporto quer como atividade física. O lúdico e o lazer, destacando-se o desporto, estão virados ao lucro (valores mensuráveis) e não para os valores (as importâncias que importam para a humanização de mulheres e homens) que estão desde sempre na base do jogo.
Vem de 1997, ano do primeiro diploma criado para regular as sociedades desportivas, e neste as autarquias poderiam ajudar os clubes na concretização deste objetivo. Gerou, e não raramente, uma promiscuidade entre o poder político e o desporto clubístico, como sucedâneo bem mais gravoso que a comunhão entre os clubes e o poder económico-financeiro dos endinheirados de antanho. Mas em 2013 foi introduzida uma limitação neste novo regime, no qual os municípios e as associações de municípios passaram a estar impedidos de participar nas SADs, reservando esse direito só para as autoridades das regiões autónomas. Contudo, não poderiam exceder os 50%. Porém, sabemos que a colaboração entre os municípios e as sociedades anónimas é mais intensa com os clubes pequenos, com a exceção da Câmara de Braga, a de Setúbal e a de Matosinhos, que, respetivamente, participam (ou participaram) nas SADs do SC Braga, do Vitória FC e do Leixões. Sendo as SADs empresas com fins lucrativos, e estando com sérios problemas financeiros, urge criar um novo regulamento que permita a sobrevivência das mesmas e a sua saúde económico-financeira. Em rigor o que se pretendeu (ou se pretende) é mais objetividade e clareza sobre a origem dos dinheiros e da sua gestão. Abstendo-se, em particular o futebol, de negócios e influências nefastas. E a criação de uma nova entidade fiscalizadora e a sua relação com os clubes, a Autoridade Tributária e a Segurança Social, procurará promover essa mesma parcimónia.
Para a saúde financeira do nosso futebol as competições europeias tornaram-se fundamentais, numa UEFA contra a Superliga, não pelos valores do desporto, mas porque não quer deixar de controlar as receitas e de poder fazer a sua distribuição, não só de acordo com princípios de solidariedade, mas também com os seus interesses. E, agravando a situação, com a perda do sexto lugar do ranking para os Países Baixos, o nosso futebol viu a sua situação mais agravada. O futebol em Portugal continua a ser uma atividade deficitária, levando os mesmos clubes a vender por truta e meia as suas mais-valias, e somos tão pobres que quando vendemos um craque por milhões vemos o adepto comum pular como se o seu clube fosse campeão. Mas não nos apercebemos que continuamos a cavar o nosso túmulo. Por outro lado, todos sabemos que o sucesso dos Países Baixos tem muito a ver com fenómenos como a negociação centralizada e a distribuição equilibrada das receitas audiovisuais. Aqui continuamos a preferir favorecer os três crónicos do futebol português (que apelido do cancro do futebol português), pois secam tudo à sua volta e levam a perda da competitividade do nosso futebol. Vejam a todo-poderosa Sport TV, que decide os horários e os jogos e clubes que deve promover, numa visão mesquinha que acabará por destruir o produto futebol.
Vejamos duas intervenções de dirigentes do nosso futebol, retratos desta mesquinhez de quem olha para o problema a partir do seu umbigo:
- António Salvador, presidente do SC Braga, num artigo de 5 de agosto de 2022, no jornal O Jogo, defendia uma oportunidade irrepetível para um futebol que sofre da “previsibilidade, vencedores crónicos, fosso crescente entre as equipas, perda de atratividade e, consequentemente de receitas”, e por isso, escrevia que “o futebol português está perante uma oportunidade porventura irrepetível, mas seguramente inadiável. O futebol português não pode partir para o processo de centralização dos direitos televisivos e respetiva chave de distribuição sem uma definição prévia de um novo modelo que acrescente valor à competição”. Mas que valor? Desportivo? Financeiro? Salvador escreve sobre instalações, jogo positivo, melhores condições para atletas e adeptos, etc…, mas o dinheiro e o poder parecem ser a sua primeira preocupação. Ou melhor, poder participar com os clubes vencedores de costume.
- A 17 de março de 2023, no Primeiro Caderno do Expresso (p. 31), Pedro Proença, Presidente da Liga de Clubes, escreve sobre o Novo Regime Jurídico das Sociedades Desportivas, como sendo “decisivo passo em frente rumo a uma regulamentação mais apertada e eficaz numa matéria de enorme relevância para o futebol português”. Também o senhor presidente da Liga escreve sobre o que na generalidade estava aprovado e o que na especialidade seriam as suas aportações (ou preocupações) para o novo Regime Jurídico das Sociedades Desportivas: o reequilíbrio de direitos e deveres na relação entre clubes fundadores e sociedades desportivas; reforço dos requisitos de idoneidade, através da verificação do cumprimento de um conjunto de requisitos nos domínios judicial e fiscal; redução dos conflitos de interesses; mais transparência e publicidade, absolutamente decisivo, no entender da Liga de Portugal, através da publicitação das contas, divulgação de contratos, etc; quotas de género nos órgãos de administração e fiscalização, criação de um regime organizacional específico; etc… Mas em suma, o que realmente preocupa o senhor presidente da Liga, é o negócio da sociedade por quotas, “até agora não prevista na lei das sociedades desportivas, que só admitia sociedades unipessoais por quotas (modelo muito limitado) e sociedades anónimas desportivas (de maior complexidade), ganhando-se dessa forma agilidade no processo sem que se perca a possibilidade de manter o controlo da sociedade ou de alargar o leque de investidores (o negrito é meu) ”.
Sim, estamos a perder a atratividade do futebol português, concluindo com muitos que o futebol português como produto não existe, mas a medida mais importante a tomar é fazer o que se fez em outros países europeus – cuidar de todos e não só dos grandes, e não permitir o monopólio de poderes fáticos ou político-financeiros que secam tudo em nome do lucro.
Continua…