O Homem Sagrado
«Por toda a parte onde a pessoa entranha a sua luz, a natureza, corpo ou matéria, insinua a sua opacidade». (Mounier, E. (2010). O Personalismo, pag.35. Lisboa: Texto e Grafia)
Ao iniciar crónicas neste espaço, começo por agradecer ao diretor do mesmo, Alfredo Oliveira, pelo convite e aos benevolentes leitores que possa ter.
Desnecessário será revelar o meu viés, porque – do que interessa – facilmente se perceberá. Atender somente às problemáticas a abordar: interesses sociais hodiernos com “vasos comunicantes” locais.
E a questão que vos trago para início da intimidade, sempre existente entre “escriva” e leitor – aproveitando o mote epigráfico do prestigiado filósofo seguidor de S. Tomás de Aquino – é: estará o caráter sagrado do Humano, hoje, em dissolução? Aparentemente sim! Subsume-se, aliás, no título, superiormente descodificado por Giorgio Agamben no seu “Homo Sacer e a vida nua” atualíssimo, porquanto o projeto globalista do mundo, pós-bipolar, trazido com a queda do “muro da vergonha” em 1989, propunha-se à libertação total do Homem, na asserção homem/mulher na sua igual dignidade, enquanto filhos de Deus, para quem – como eu – acredita nesta formulação propositiva. E mesmo para outrem. Contudo, a prática parece ter atirado para os “mercados” a resolução – de cariz contratual – dos problemas humanos. S. João Paulo II no dia 1 de 1998 já o sinalizava sobretudo por falta de um escopo axiológico alicerçado nas tradições helénico-judaico-cristãs, fundadoras – em equilíbrio consensual e ideológico - da (re)construção europeia pacífica e próspera.
A verdade é que o humano só o é com o seu semelhante e – como nos traz a Doutrina Social da Igreja – reúne-se em comunidade política com o fim de sorver as insuficiências da sua família, ou seja, esta existe em primeira ordem, porque sagrada, a segunda para lhe responder. O que corresponde à inaliabilidade do Homem face ao, consequente, Estado. A pretexto de um aparente libertarismo encharcamos, direi, num niilismo. O já citado Agamben complementa, noutra obra, “Estado de Excepção” - onde curiosamente nos encontramos, aos Estados (e agora também as corporações geradas pelo anarcocapitalismo, digo eu) – a criação de mecanismos constringentes da liberdade individual que, quando chegam, ganham perenidade. Aproveitando o múnus de vários filósofos, sublinha: 1) desejos panóticos de cariz benthiano, que eu paralelizo seguidamente exemplificando, como o controlo discursivo nas redes sociais; 2) biopolítica foucaultiana, atirando à morte eutanásica, quem por nós deu tudo; 3) a perseguição jornalística que, ou está nos moldes que Karl Kraus a satirizou ou não serve. Etc…
Será esta a liberdade prometida? SS Emérita Bento XVI alertou para os perigos da troca de Deus pela idolatria do dinheiro e do poder, que afinal só traz assimetrias sociais e o reforço dos radicalismos que asseverou Rob Riemen. Assinalemos, pois, em nome da transparência, quem por cá, no esteio nietzschiano, mais do que retórica fácil que os faça supor super-homens, se mimetizam comportamentalmente como anticristo.