Obsolescências
No mês em que se exalta os 48 anos da implantação da democracia em Portugal, estaremos, pela idade, a falar de um anacronismo?
Quando Günther Anders tratou das várias obsolescências reportando-se especificamente à humana, dizia que «Para sufocar antecipadamente qualquer revolta (…) O ideal seria formatar os indivíduos (…) reduzindo drasticamente o nível e a qualidade da educação». Este esforço permanente para a diluição do humano tornando-o um objeto de museu, como aventavam as reflexões do filósofo alemão, resulta - não só, mas de sobremaneira – nos tempos que correm, das demandas (pseudo)libertárias que se apoderaram do capitalismo rejeitando o viés ético que, por exemplo, o cristianismo moderava. As tentativas intrusivas ao espírito humano estão a sufocar lentamente o pensamento crítico e a aniquilar o debate público, baseado em argumentos de contraparte, apontando para um falso consenso que só se dá entre a elite vencedora da sociedade globalista.
Ao mesmo tempo que uma recente Ministra da Educação do burgo – participante ativa no fim da democracia no espaço escolar – se espanta com a falta de professores na escola pública, temos o exemplo acabado do vencedor deste jogo, no outro canto da sala “a comprar a maior rede social” (coloquei entre aspas porque se trata de um espaço virtual para onde confinaram a interação humana que ao invés do tradicional debate no espaço público, jorram contrapontos primários ao sabor da tecla) por, imagine-se, 41 mil milhões de dólares americanos (escrevo assim, por extenso, por não saber ao certo quantos zeros colocar)! Como titulava Aldous Huxley é o “Admirável Mundo Novo”!
Comemorar, hoje, o 25 de Abril de 1974, saudando o heroicíssimo Salgueiro Maia e o idealismo dos demais executores é guardar um espaço de pensamento para refletir onde se encontra e em que estado está a Liberdade humana. Esta - que no essencial da vida social portuguesa, no período em análise, apontou para a solidez democrática por via da massificação educativa, para cuidados de saúde generalizados, enfim, para a subida generalizada dos níveis de vida e possibilidade de mobilidade social – apesar das constrições inegáveis resultantes da geopolítica nacional, está em vias – como as demais no mundo dito ocidental – de fragmentação.
Quando Michael Sandel questionava o que acontecera ao Bem Comum, apontando o dedo à “Tirania do Mérito”, mais não fez que um alerta para o “tiro ao lado” das nossas preocupações hodiernas, centradas no “lucro”, no “crescimento” e numa “ditadura do sucesso” que só o é para quem não está na membrana social com a precariedade laboral evidente num contrato social ao qual já não têm possibilidade de aderir.
A novilíngua orwelliana dos conservadores da desigualdade - que amedrontam com os papões comunistas de quem já poucos vão à bola, esquecendo-se da “maioria silenciosa” - procurará suavizar as dissonâncias latentes com vocábulos ao jeito do “patrãozinho e dos nossos colaboradores”, desqualificando – como quem assobia para o lado - a concertação social que, estando lá para procurar acordo, não dilui a natureza identitária e faccionada dos seus constituintes.
Abril é, pois, atual e precisa de ser revisitado. Deve manter-se num arranjo político de partes dissonantes que dialogam, sem perder identidade, construindo – em equilíbrios – uma sociedade homogénea que ambicione os mesmos axiomas de há 48 anos e através deles constituir-se uma resistência progressista e humana às distopias atuais.