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Os Jogos, os Desportos e a Atividade Física (conclusão)

Francisco Oliveira
Opinião \ sábado, abril 01, 2023
© Direitos reservados
Nem basta a paixão ao jogo, quer no desporto quer na atividade física, mas urgem cursos de formação específica para este posto cada vez mais decisivo para o futuro do fenómeno desportivo.

O desporto escolar (e seria desejável que o fosse até à universidade) julgo ser o melhor caminho para encontrar uma cultura do jogo que, quer no desporto, quer na atividade física, se desenvolva para todos e em todos os campos do ser e do fazer da humanidade hodierna. Como Alain Touraine nos tinha apontado, em A Sociedade Pós-Industrial (Lisboa: Moraes Editores, 1969), o desenvolvimento do desporto e da atividade física é uma política e que as suas caraterísticas dependem das forças sociais que intervêm nas decisões que lhe dão forma. Isto percebesse, e perfeitamente, com o surgimento, e hoje especialidade médica assumida, com a medicina desportiva, ou mesmo para o desporto. A preocupação com a saúde na sociedade altamente medicalizada em que vivemos agudizou a necessidade e a presença do desporto e da atividade física nas sociedades modernas. Sem dúvida que a educação joga aqui um papel decisivo na cultura e na civilidade, quer na sociedade quer na história, para que o homem e a mulher possam ter mais para ser mais. Pois, e para mim obviamente, urge promover a prática desportiva e a atividade física impulsionada pela educação, desde o berço à velhice, da humanidade como um todo e todas as idades, onde um dos fatores é a saúde entre outros tantos de igual valor para o bem-estar de cada um e da comunidade como um todo. E isto, quer no desporto-educação, quer no desporto-lazer, quer no desporto de alta competição. Ou, como há quase 50 anos nos propôs Manuel Sérgio, o desporto do futuro é o desporto-para-todos.

     Mas para que o desporto esteja acessível para todos e para todas é estritamente necessário criar condições interiores e exteriores para a sua prática. Interiores como a saúde pessoal e social, o ânimo e psicologia dos praticantes do jogo, seja ele qual seja. Exteriores como espaços e condições sociais e políticas que promovam e favoreçam a prática desportiva e a atividade física. Quando, já em 1985, Olímpio Coelho definiu treino nestes termos: “é todo o processo que visa desenvolver as capacidades de trabalho do organismo provocando modificações progressivas fisiológicas e funcionais que caraterizam um indivíduo treinado em confronto com um indivíduo não treinado; que aumenta os limites de adaptação do indivíduo ou grupo de indivíduos ao quadro específico das situações competitivas através da prática sistemática e planificada do exercício, orientada por princípios e regras devidamente fundamentados no conhecimento científico; que influencia e amplia as capacidades anatómicas, psicológicas, técnicas e de domínio do corpo; que estabelece hábitos, impede reações desfavoráveis e aproveita aptidões, com a finalidade de atingir, com o máximo de rendimento e sob o regime de economia de esforço e de resistência à fadiga, um resultado preestabelecido de acordo com uma previsão anterior” (Actividade física e desportiva. Lisboa: Livros Horizonte, 1985, pp. 84-85). Demonstra, assim, um dos primeiros estudiosos português do jogo como desporto e atividade física, que o jogo procura promover ao máximo as capacidades físicas e mentais dos seus praticantes, e consequente as melhorias físicas e suas performances, como a sua integração social e convivial. É a mulher toda e o homem todo a quem aproveita a prática desportiva, e da própria sociedade como um todo. O Papa Francisco, a 9 de fevereiro de 2023, na receção à Associação Desporto no Vaticano, afirmou, na assunção desta postura de totalidade do desporto, que “o desporto é uma metáfora da vida”.

Por outro lado, ao analisar o desporto, numa perspetiva ética, concluímos que a atividade desportiva não encontra justificação em si mesma, mas no contexto geral da sociedade cultural, religiosa, académica e política. E de forma aguda reforçar que não se pode ignorar os fins pelos meios, sob pena de sacrificar a humanidade na ara de valores fetiches ou de rendabilidades diversas. Numa perspetiva humanista, no meu caso de background cristão, o ser humano é chamado atingir uma plenitude que tem como medida e modelo Cristo Jesus e coloca o homem e a mulher (não os lucros ou as performances) no centro da atividade física e desportiva. Parafraseando o Evangelho, o jogo ao serviço da humanidade e não a humanidade para o jogo. E sempre, evitando os anquilosados moralismos (tão em moda, não no conteúdo, mas na forma entre nós), ou seja, que não se perca de vista a moral/ética, contanto que a moral/ética não perca de vista as necessidades reais da humanidade. A prática desportiva deve ser sempre uma competição saudável que contribua para o amadurecimento do espírito, cumprindo as três regras fundamentais: treino, disciplina e motivação. Uma paixão gratuita e amadora é e deve continuar a ser a base da paixão pelo desporto, mesmo no desporto de alta competição e profissional. Ou, mais uma vez, citando o Papa Francisco a 30 de janeiro de 2023, aos membros da Federação Italiana de Voleibol: “O desporto, de facto, deve estar sempre ao serviço da pessoa e da sociedade, e não do interesse ou lógica do poder”.

Quando o jogo se foca nas vedetas, que é um dos aspetos mais presente no fenómeno desportivo, e desde sempre, não nos leva a lado nenhum lamentar esta realidade. O ser humano precisa de referências, em todas as áreas do fazer e do saber, para que a si própria cada pessoa se desafie nos diversos valores que o jogo, no desporto e na atividade física, propõe. São referências para cada qual e, quando abordados de forma saudável, isto é, sem ser idolatricamente, são exemplos positivos para a superação de cada homem e mulher concretos. “A vedeta representa o êxito personificado, a vitória, a vingança sobre a humilhante e sórdida inércia quotidiana, sobre os obstáculos que a sociedade põe ao mérito. A desmesurada glória do ídolo, ilustra a possibilidade permanente de um triunfo que, desde então, é um pouco a obra de cada um dos que aplaudem” (Roger Caillois – Les jeux et les hommes. Paris, Gallimard, 1991, p. 241).

Um dos aspetos mais relevantes, e de forma alguma desprezível, são os dirigentes, quer políticos, quer federativos e olímpicos, quer dos clubes e do desporto escolar/universitário, contudo, impõe-se (e mais do que nunca), uma necessária formação ética e personalista, onde a responsabilidade social deve estar em primeiro plano, para a assunção de tão alto cargo na sociedade hodierna. Já não nos devemos contentar com dirigentes endinheirados ou poderosos de alguma forma. Nem basta a paixão ao jogo, quer no desporto quer na atividade física, mas urgem cursos de formação específica para este posto cada vez mais decisivo para o futuro do fenómeno desportivo nas sociedades modernas. E sobretudo que não sejam meros gestores, ou CEO(s) de clubes empresas, onde se mede, exclusivamente, o mérito desportivo pelo lucro. Este tem sido uns dos caminhos mais perigosos, e na atualidade cada vez mais generalizado, do jogo/desporto do século em que vivemos.

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