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Guimarães
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20,376 km/h

Pôr os pés ao caminho

Amaro das Neves
Opinião \ segunda-feira, agosto 22, 2022
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Apesar das boas intenções anunciadas e de alguns gestos simbólicos, Guimarães continua a ser uma cidade amiga do automóvel. Para deixar de o ser, faz falta a determinação que ainda não vimos.

A procura de soluções para a mobilidade urbana é tão antiga quanto as cidades. Envolve infraestruturas, meios de transporte e segurança.

Das infraestruturas medievais de Guimarães, sabemos pouco. As ruas e praças eram em terra batida, lamacentas, imundas e malcheirosas, com porcos, galinhas e gansos a disputarem com as pessoas o espaço de circulação. Só a partir do séc. XVII é que as calçadas começaram a ser empedradas. Os transportes eram assegurados por carros puxados por bois, para a condução de cargas, ou por cavalos, no transporte de pessoas.

O comum das gentes circulava a pé. As posturas concelhias regulavam a circulação, com normas que proibiam o trânsito de carros ferrados (com as rodas protegidas com aros de ferro), por danificarem as calçadas, ou durante a noite, por perturbarem o sossego. E os acidentes de viação já aconteciam. Podiam resultar de avarias nos carros, como rodas ou eixos partidos, mas os mais frequentes eram provocados por bois ou cavalos descontrolados ou por condutores imprudentes.

Dentro de Guimarães não havia qualquer problema com a mobilidade. Todas as distâncias se percorriam facilmente a pé. Tal como hoje. Os problemas colocavam-se nas deslocações para outras terras, como o Porto, Braga ou Trás-os-Montes. A segunda metade do séc. XIX foi marcada pela construção de vias de ligação a outras povoações da região. O acontecimento mais transformador foi a chegada do primeiro comboio à estação do Cavalinho, no dia 14 de março de 1884.

Na circulação no perímetro urbano, tirando a abertura das avenidas D. Afonso Henriques e Conde de Margaride, quase nada de relevante aconteceu em Guimarães em mais de um século, para além de alguma inconstância no revestimento das ruas (a pedra que substituiu o asfalto que tinha substituído a pedra) ou na implantação de semáforos. Tirando o alargamento de passeios, as mudanças têm sido mais estéticas do que funcionais.

Já perdemos a conta aos estudos de mobilidade, mas nenhum foi aplicado consistentemente. Apesar das boas intenções anunciadas e de alguns gestos simbólicos, Guimarães continua a ser uma cidade amiga do automóvel. Para deixar de o ser, faz falta a determinação que ainda não vimos. Porque mudar implica disponibilidade para enfrentar resistências, algumas delas ruidosas.

Não é que não tenhamos tido novidades. Em 2019, noticiava-se que a chegada dos tuque-tuques colocava Guimarães a par das “principais cidades portuguesas”, depois imaginou-se um teleférico urbano que elevaria Guimarães à altitude das cidades andinas, agora inauguram-se as trotinetas e bicicletas elétricas, que anunciam Guimarães “a iniciar também o seu caminho na descarbonização”, embora se desconfie que não sejam bem meios de transporte e se saiba que, noutros sítios, são pragas geradoras de desconforto, conflitos e acidentes. No mínimo, esperamos que venham acompanhadas de manuais de utilização que expliquem que não podem circular nos passeios.

Não faz sentido discutir a mobilidade urbana em Guimarães como se discute em Lisboa ou no Porto. O problema de Guimarães é o mesmo — a excessiva dependência do automóvel —, mas mais fácil de resolver, pela dimensão. E, sem ter de inventar, temos bons modelos para seguir.

Urge assumir em Guimarães o conceito de cidade dos 15 minutos, já aplicado em Paris, que consiste em organizar as cidades de modo a que todos os serviços, equipamentos e bens essenciais estejam acessíveis a uma distância que se percorre em 15 minutos, a pé. Não é preciso fazê-lo, basta dizê-lo: Guimarães já é assim.

Por outro lado, faz sentido aplicar, a toda a cidade e a todos os veículos, o limite de 30 km/h e ter mesmo a coragem de ir mais além, nas ruas partilhadas por peões e outros veículos. Bastaria seguir o exemplo de Pontevedra, cidade de dimensão comparável a Guimarães, onde o trânsito se adapta ao ritmo dos peões.

E aí teríamos uma cidade amiga das crianças e de todos os que a habitam, ambientalmente mais amigável, sustentável e segura e mais atrativa para quem a visita.

Para esta revolução, que exige coragem, não vai ser preciso descobrir a roda. Basta pôr os pés ao caminho.

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