Slava Ukraini: a força da multidão!
O filósofo alemão Friedrich Engels, já nos tinha avisado que "a história repete-se sempre, pelo menos duas vezes". O que não estávamos à espera é que tudo o que de mau aconteceu no século XX – gripe espanhola, guerras mundiais, guerra fria e choque petrolífero - se repetisse assim, num espaço de tempo tão curto.
Ainda estávamos a tratar de varrer a covid-19, e a Rússia resolve invadir a Ucrânia, abrindo a porta a um conflito mundial, ao qual o Ocidente imediatamente responde com uma chuva de sanções económicas que só encontram paralelo nos tempos da cortina de ferro e, poucos dias após o início da invasão, já temos corridas aos postos de combustível!
No início da ofensiva, tudo parecia já estar decidido: a Rússia invadia uma Ucrânia desmoralizada e descrente da sua classe política, que capitularia em dias; Putin colocava no poder um daqueles bonecos do “Contra-Informação”, e podíamos ir todos festejar o Carnaval.
Nem se viriam a sentir grandes efeitos negativos em Portugal, que pouco exporta para a Rússia ou para a Ucrânia e que nem está muito dependente do gás natural ou do petróleo russos. Com o que ninguém parecia contar, era que a globalização não nos trouxesse só o aumento da velocidade a que tudo acontece. Trouxe-nos também uma nova era, do poder das redes sociais, da sua capacidade de criar heróis e vilões, de direcionar a opinião pública, criando ondas de apoio ou de condenação, e o modo como estes movimentos condicionam os atores políticos e económicos no momento de tomarem decisões.
E, na guerra das plataformas digitais, a Ucrânia tem arrasado: comecemos pelo presidente Zelenskiy, o herói improvável, o tal que era comediante e que toda a gente esperava que fugisse e abandonasse o país assim que caíssem as primeiras bombas. Manteve-se firme em Kiev, respondendo a quem lhe ofereceu ajuda para fugir com uma frase forte e incisiva – “preciso de munições, não de boleia” -, capitalizando o forte sentimento nacionalista ucraniano (quem dele duvidar deve ver o documentário Winter on Fire: Ukraine's Fight for Freedom).
Encontrados o herói (Zelenskiy) e o vilão (Putin), a mobilização dos ativistas digitais pendeu totalmente para o lado ucraniano. E quer queiramos ou não, quem comanda os destinos do mundo também tem Facebook, Instagram ou Twitter e é sensível às correntes de opinião. E é neste contexto que, os EUA e a UE aplicaram imediatamente sanções altamente penalizadoras para a economia russa, para a pressionar a terminar a invasão, como sejam o congelamento de contas e outros ativos do estado e de elementos ligados a Putin.
Outros países, que sempre tiveram na sua essência e maior ativo em termos económicos a neutralidade, como a Suíça, não tiveram outra alternativa que não fosse seguir o movimento em curso e também congelaram contas e ativos russos. Na ONU, foi aprovada uma resolução de condenação à invasão em que apenas cinco países votaram contra! A maior parte das multinacionais presentes no mercado russo viram-se forçadas a fechar as suas operações, sob pena de sofrerem enormes perdas reputacionais.
Ninguém, nenhum país e nenhuma empresa, quer nos dias de hoje, ficar no epicentro de um terramoto nas redes digitais. Todas estas medidas, não sendo revertidas rapidamente, irão a curto prazo tornar a Rússia numa espécie de televisão a preto a branco, só com a RTP2. E nem Putin vai conseguir sobreviver a esse regresso da Rússia à Idade Média.
E ainda falta a mãe de todas as sanções, que é deixarmos de comprar gás e petróleo russos. Percebe-se que muitos países, como a Alemanha, muito dependentes energeticamente da Rússia, tenham receio de avançar nesse sentido. Mas se os ucranianos aguentam todas as privações decorrentes da guerra, de certeza que aguentaremos tomar uns banhos de água fria. Ainda para mais, o verão está já aí a chegar.