Travessias Teatrais: "Orlando" no Centro Cultural Vila Flor
O programa complementar dos Teatro Nacional 21 (TN21) de Albano Jerônimo e Cláudia Lucas Cheu em volta do espetáculo Orlando, lança algumas pistas para o que poderiam ser os novos parâmetros da criação artística no período pós-pandemia. Além do espetáculo, a programação incluía sessões de trabalho com alunas e alunos da Licenciatura em Teatro da Universidade do Minho que desenvolveram projetos visuais, podcasts, vídeos e performances para exposição nos espaços do CCVF.
Estes projetos de investigação/criação desenvolveram os temas do espetáculo: questões LGBTQIA+, questões de género e questões de racismo, todas elas ligadas às questões dos direitos humanos e às lutas contra a discriminação. A programação incluía também um documentário sobre a identidade de género e um vox pop com a população vimaranense a pronunciar-se sobre o seu entendimento destas questões. Todas estas iniciativas representaram uma intervenção social, política e cultural de natureza ampla sobre os direitos humanos no contexto atual e um envolvimento da população local muito para além do seu papel como público do espetáculo.
Este Orlando estreou em Guimarães, fora dos grandes centros urbanos, relembrando a promessa esquecida da Revolução dos Cravos de descentralizar as atividades culturais. E o facto de o Grande Auditório estar esgotado no dia do espetáculo, mesmo com as restrições do covid-19, mostra que há um público de Guimarães e das outras cidades do Minho para este tipo de espetáculos. Algumas pessoas vieram por causa do Albano Jerónimo, o encenador da peça. Outras vieram por causa da sua ligação com o romance de Virgínia Woolf e outras ainda porque o espetáculo incluía atores e atrizes trans.
Mais habitualmente ausentes dos palcos teatrais, estes atores e atrizes foram fundamentais para a desconstrução de noções binárias de género no espetáculo e trouxeram para o espetáculo vivências e estéticas mais frequentemente associadas a outros espaços culturais como clubes, discotecas ou a televisão. O espetáculo desafiava estereótipos, seja de nacionalidade, de género, ou de pessoas com deficiência e não se inibia de mostrar a violência provocada por esta estigmatização. O momento final do espetáculo em particular exorcizava os efeitos nefastos dos discursos de ódio e empoderava aqueles que muitas vezes não têm voz.
Os debates depois do espetáculo, com pontos de vista muito diferentes entre membros do público, foram igualmente necessários como intervenção social, política, cultural e ética na cidade. Esperamos que este tipo de iniciativa, que junta artistas reconhecidos, alunas e alunos da UM, a população local e criadores de várias áreas artísticas fique como modelo para se efetuar o debate conjunto sobre as questões fraturantes na nossa sociedade através do teatro e para promover a sociedade mais justa em que queremos viver.