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Uma defesa da mentira

Orlando Coutinho
Política \ terça-feira, julho 13, 2021
© Direitos reservados
As autárquicas estão à porta e as mensagens políticas começam a ganhar forma. É, pois, na qualidade de ex-político, que me proponho fazer a defesa de um dos recursos mais utilizados e imprescindíveis da classe: a mentira!

As autárquicas estão à porta e as mensagens políticas começam a ganhar forma. É, pois, na qualidade de ex-político, que me proponho fazer a defesa de um dos recursos mais utilizados e imprescindíveis da classe: a mentira!

Quando Maquiavel emprateleirou a moral para que o Príncipe usasse de todos os mecanismos para a manutenção do poder, colocou a mentira como um instrumento de utilização permanente no espaço público. Claro que poderíamos ir aos gregos e invocar Platão que, na sua República, dizia algo contundente sobre as mentiras: «são úteis… à maneira de um remédio… que só o médico deve prescrever» sendo óbvio que o médico da polis é quem governa.

Hannah Arendt que alertou que «(…) ninguém, tanto quanto se saiba, contou alguma vez a boa-fé no número das virtudes políticas» e remata interrogando «Será da própria essência da verdade ser impotente e da própria essência do poder enganar?»

O facto é que sobre a epistemologia da verdade se têm debruçado vários filósofos em diferentes momentos. Lembrar as proposições Heideggerianas, kantianas, ou ir a Decartes e Foucault seria laborioso; é mais simples ficarmos pela fórmula “Veritas est adaequatio rei et intellectu”, isto é, a verdade é a adequação da coisa com o conhecimento.

O facto é que as Revoluções Liberais trouxeram o princípio da igualdade de cidadania e com ela a premissa de também na mentira ela ser propriedade de todos.

Talvez inspirados pelos paradigmas cientificidade de Thomas Kuhn, todos os políticos da Assembleia Nacional portuguesa brotaram a  Lei 27/2021 de 17 de Maio, com a epígrafe “Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital” onde diz «(…)proteger a sociedade contra pessoas singulares ou coletivas, de jure ou de facto, que produzam, reproduzam ou difundam narrativa considerada desinformação» sendo a «desinformação toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público…»

Da leitura acima poderíamos ver nas “pessoas singulares” Presidentes, ou Primeiro-Ministro, nas coletivas os Partidos assentariam bem. Uma auto-armadilha? A soberba é, igualmente, uma das “qualidades” que um bom político possuí.  E se em 2017 quando intervim no II Colóquio de Filosofia Moral e Política com uma comunicação “The Truth is not for Everyone”, isto é, “A Verdade não é para todos”, parece que agora a proposição teria de ser: A mentira não é para todos, já que isto se destina à sede das “redes sociais”.

Comprometido pelos valores cristãos e inspirado por um veio neotomista, diria que as mentiras das redes sociais, são uma espécie de pecados veniais, ante o que ostensivamente tem sido perpetrado pelos grandes decisores do país, desde a elite financeira, desportiva e política. Daí que esta lei, somente pretende dar o monopólio da mentira à oligarquia dirigente.

Ante os apelos vários e os alertas “republicanos” – como os de Pacheco Pereira – de que haverá necessidade de proteção da liberdade de expressão (até para mentir) que se vê coartada nesta lei, os legisladores dizem que a regulamentação da mesma resolverá os perigos Orwellianos nela contidos.

Se a mentira não me engana, em boa verdade vos digo: não há boa regulamentação para uma má lei.

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