Vale do Ave: Um legado de trabalho que não pode ser abandonado
Guimarães é, por excelência, um território de identidade, história e trabalho. A alcunha de “Cidade Berço” traduz a sua importância na fundação da nação, mas é a indústria, e em particular o setor têxtil, que tem sido o alicerce económico de várias famílias ao longo de décadas. No Vale do Ave, onde o concelho ocupa lugar de destaque, o setor têxtil não é apenas uma atividade económica: é o sustento de muitas famílias e parte da identidade da região.
As notícias de encerramentos de fábricas, despedimentos coletivos e situações de lay-off multiplicam-se. A crise no setor é visível e sentida no dia a dia. Em muitos casos, trata-se de pequenas e médias empresas familiares que, durante anos, foram a base da economia local. Quando estas empresas fecham, não se perdem apenas postos de trabalho: é uma parte da memória e da vida local que se apaga.
São trabalhadores que, depois de anos de lealdade à empresa, veem o futuro suspenso. Quem vive em Guimarães ou na região conhece alguém que ficou sem trabalho, uma família que perdeu a sua principal fonte de rendimento ou um jovem que desistiu de procurar futuro aqui e foi obrigado a sair. O setor, que sempre deu tanto ao país está agora fragilizado.
Apesar da gravidade da situação, a Câmara Municipal de Guimarães tem adotado uma postura mais reativa do que proativa. Embora o presidente Domingos Bragança tenha solicitado uma reunião urgente ao ministro da Economia para discutir a crise no setor têxtil e do calçado, as medidas locais continuam limitadas e insuficientes. A ausência de um plano estratégico abrangente e de ações concretas coloca em risco não apenas a sustentabilidade do setor, mas também o bem-estar das comunidades que dependem da indústria. Torna-se imperativo que a autarquia assuma uma liderança mais decisiva, implementando políticas públicas eficazes que promovam a recuperação e a modernização do setor, garantindo a preservação de postos de trabalho e a coesão social na região.
A crise, porém, não se resolve apenas a nível local. O Governo central não pode continuar a tratar o Vale do Ave como um dado estatístico na balança das exportações nacionais. É fundamental reconhecer que esta situação é simultaneamente económica, social e territorial, exigindo uma intervenção articulada e célere. O momento pede medidas concretas, coordenação entre níveis de governo local e central e um compromisso real com a preservação do tecido industrial e da identidade das comunidades locais.
O problema é que o tempo escasseia. Cada fábrica que encerra hoje não é facilmente reerguida amanhã. Cada trabalhador que se vê obrigado a abandonar o setor dificilmente regressa. E cada comunidade que perde o seu sustento fica marcada por um vazio que dificilmente se preenche. A crise no Vale do Ave é, por isso, mais do que um desafio económico: é uma questão de justiça social e de equilíbrio regional.
O futuro de Guimarães e do Vale do Ave depende da coragem com que se enfrentará este momento. Não basta diagnósticos, relatórios ou discursos. O que se exige é ação. É urgente um plano sério de apoio, com medidas concretas: linhas de crédito adaptadas, apoio à tesouraria, proteção ao emprego e investimento direto na reestruturação do setor. A indústria têxtil deu muito ao país e continua a dar: exportações, emprego, prestígio internacional. Cabe agora ao país, garantir condições para que o setor se reorganize e prepare a sua própria reinvenção.
Porque se o têxtil cair no Vale do Ave, não cai apenas um setor, cai uma parte da identidade, da coesão social e da dignidade económica de Guimarães. E essa é uma perda que acima de tudo, o país não se pode dar ao luxo de aceitar.