Nos palcos ou nas ruas, jovens de Guimarães vivem experiência que os mudou
A tarde de quinta-feira foi “um bocado stressante”, confessa Irina Ribeiro, uma das peregrinas da mais recente Jornada Mundial da Juventude, decorrida em Lisboa. A jovem de 18 anos, de um grupo de Nespereira, com 17 peregrinos, foi convidada a representar a Arquidiocese de Braga entre os jovens de várias nacionalidades que acolheram o Papa Francisco no palco da designada Colina do Encontro, no Parque Eduardo VII.
Essa ansiedade entrelaçava-se com o contentamento de ver de perto o sumo pontífice da Igreja Católica desde março de 2013. Pelas 17h45 de 03 de agosto, aquando da subida ao palco por Francisco – o nome que Jorge Bergoglio escolheu para o seu pontificado, inspirado em Francisco de Assis -, a vimaranense tomou uma decisão que, em retrospetiva, considera acertada. “Quando aguardávamos a entrada do Papa, lembro-me que toda a gente estava a filmar, mas senti que se desligasse o telemóvel e aproveitasse aquele momento só com o olhar seria mais marcante”, descreve. “Foi incrível ver aquela pessoa que simboliza tanto para nós passar assim tão perto. E o olhar dele é aconchegante, fazendo-nos sentir como se estivéssemos em casa, como se fôssemos acolhidos por ele”, prossegue.
Do palco, Irina contemplou uma multidão que se espraiava ao longo do Parque Eduardo VII, para lá da rotunda do Marquês de Pombal; segundo o Vaticano, concentravam-se ali 500 mil pessoas para ouvirem o Papa Francisco dizer que “na Igreja, ninguém sobra, ninguém está a mais, há espaço para todos”. “Era arrepiante ver tanta gente com a mesma fé que eu, que acredita em Jesus Cristo como eu”, resume Irina Ribeiro, confessando que o acolhimento do Papa foi, a seu ver, o “ponto mais alto das jornadas”.
Entre as centenas de milhares que rumaram a Lisboa para o megaevento realizado entre 01 e 06 de agosto, 348 peregrinos inscreveram-se por intermédio do Arciprestado de Guimarães e Vizela, em articulação com a Arquidiocese de Braga. Depois da missa de abertura na terça-feira, presidida por Manuel Clemente, patriarca de Lisboa, o programa incluiu visitas pela cidade de Lisboa e as designadas catequeses Rise Up nas manhãs de quarta, quinta e sexta-feira e a via-sacra, a última das celebrações na Colina do Encontro, retratando os passos da paixão de Jesus Cristo ao entardecer de sexta-feira.
Presente na JMJ de Cracóvia (Polónia), em 2016, Rosa Machado crê que esse momento, de performance e contemplação, foi aquele em que Lisboa mais se diferenciou. “Quanto à parte mais espiritual, a via-sacra foi um ponto muito alto. Portugal saiu fora da caixa e fez uma via-sacra memorável”, descreve a peregrina de 38 anos, oriunda da paróquia de Moreira de Cónegos.
As mesmas crenças desdobradas por latitudes várias
Responsável pela Pastoral de Jovens do arciprestado, Rosa Machado adianta que, regra geral, as expetativas dos peregrinos foram preenchidas - a nível lúdico, com visitas a museus e a monumentos lisboetas, e a nível espiritual, desde a abertura até à missa de envio presidida por Francisco no domingo de manhã, no designado Campo da Graça, no Parque Tejo, que albergou 1,5 milhões de pessoas segundo estimativas do Vaticano. “Vimos jovens que acreditam, que vivem a mesma fé. É muito bonito ver isso com as bandeiras, com os cânticos, com as orações”, descreve.
Mário Costa, de 23 anos, também viveu essa manhã no Parque Tejo, mas o momento que mais o marcou até foi a abertura, pela novidade que constituiu. “Foi a primeira vez que estive no meio de tanta gente, naquela confusão toda. Estive na rotunda a olhar para o ecrã, a primeira missa de todas”, realça o peregrino de Silvares, elogiando também a via-sacra. “Foi uma performance muito bonita. Não foi uma coisa normal”, considera.
Membro de um grupo de jovens ligado à Congregação do Espírito Santo, Mário rumou a Lisboa em 28 de julho, sexta-feira, juntamente com uma dezena de peregrinos, e permaneceu no seminário da Torre d’Aguilha, em São Domingos de Rana, no concelho de Cascais, enquanto participava na JMJ. “Criámos uns 15 grupos para atividades com pessoas dos Estados Unidos, Paraguai, Cabo Verde, Taiwan. Fizemos atividades no seminário, lúdicas e religiosas. Falámos quase sempre em inglês”, conta.
Esse encontro de cristãos de culturas várias precedeu a JMJ propriamente dita, com visitas a museus, caminhadas e circulação nos transportes públicos a pontuarem o tempo que extravasava as cerimónias religiosas. No sábado, a caminhada rumo ao Parque Tejo, na fronteira entre Lisboa e Loures, ocupou toda a manhã e uma boa parte da tarde daquele grupo de peregrinos, que, na noite de sábado para domingo, praticamente não conseguiu dormir. Foi mais uma peripécia de uma experiência que exigiu responsabilidade, mas também o transformou. “Mudou-me, porque é uma experiência que dificilmente vou ter oportunidade de repetir. Temos de ter também muita responsabilidade. Temos de estar sempre juntos uns aos outros”, resumiu.
Natália tocou na orquestra: “Foi uma forma de servir”
Para Natália Faria, de São Martinho de Candoso, a JMJ de Lisboa começou a ser vivida em julho de 2022, quando ensaiou pela primeira vez no coro. Professora e instrumentista de profissão – expressa o seu conhecimento e sensibilidade musicais através da trompa -, optou pelo coro para embarcar numa experiência diferente. “Saía da minha zona de conforto. O coro era rezar a cantar. Para mim, sempre foi fácil rezar a cantar, mais do que com fórmulas”, adianta.
A vimaranense de 30 anos ensaiou uma vez por mês para o coro, com pausas em dezembro e na Páscoa, mas, em julho, pediram-lhe para se mudar para a orquestra. Aceitou, trocando a vivência espiritual que perspetivava por um serviço mais profissional ao evento. “A partir do momento em que passei para a orquestra, falou mais o meu lado profissional e não o espiritual. Havia uma série de coisas que tinha de fazer bem feitas. No coro, se houvesse alguma coisinha que eu falhasse, havia pessoas que me ajudavam”, realça.
Peregrina na JMJ de 2016, em Cracóvia, a intérprete da Banda Musical de Caldas das Taipas confessa ter sentido “falta de andar no meio da rua, de andar no meio de peregrinos, de tirar as fotos, de brincar e até de picar os outros grupos” para se gritar que a Igreja não está adormecida, mas diz ter compensado esse vazio com o empenho colocado nos ensaios. “Não podia estar com o grupo de jovens da paróquia, porque tinha ensaios. Tinha de estar bem fisicamente e psicologicamente para dar algo aos outros na hora de tocar. Foi uma forma de servir e estar diferente”, descreve.
A missa de envio no domingo de manhã e os peregrinos fizeram-se aos autocarros para voltarem às suas casas. Para trás, ficou um evento marcante, testemunha Irina Ribeiro. “O facto de haver vários jovens de várias partes do mundo tornou mais interessante a partilha dos jovens. Quem ia à via-sacra, à vigília, à eucaristia estava com o mesmo propósito, mesmo falando línguas diferentes”, relata a vimaranense de 18 anos.