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Roriz Mendes. "Penha: Temos projetos que estão bloqueados”

Redação
Sociedade \ quarta-feira, dezembro 21, 2022
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Roriz Mendes, Juiz da Irmandade de Nossa Senhora do Carmo da Penha, desde 2006, não esconde a angústia de ter projetos para a Penha atravancados nas teias da burocracia e na falta de sensibilidade.

O empresário, de 69 anos, natural de Fermentões, diz acreditar no bom senso e na vontade política como via de desbloqueio de projetos como a remodelação do Hotel da Penha e a classificação de Paisagem Protegida. Recordando que tem sido a Irmandade a assumir sozinha a preservação e valorização da Penha, Roriz Mendes refuta qualquer tentativa de alteração da denominação do “Teleférico da Penha”. E desafia a autarquia a escolher a Penha para a realização de eventos.

ENTREVISTA e FOTOS: José Luís Ribeiro e Esser Jorge Silva

 

Foi vereador da Câmara Municipal de Guimarães, participou em diversos movimentos, é Juiz da Irmandade da Penha, teve um papel importante na construção do teleférico. Ainda se sente motivado para a participação cívica ?

Claro que sim. A minha vida social é um património adquirido. Foram desafios sociais que me foram colocados, que aceitei e procurei resolver de melhor forma. Acho que me superei e sinto-me muito grato por se terem lembrado de mim.

A sociedade vimaranense valoriza essa participação ou, pelo contrário, mostra-se como “má mãe” ?

A sociedade vimaranense é única porque nos enriquece. Abre as portas a todos que se revelam disponíveis para ajudar e construir uma sociedade melhor. É grata a todos quantos a servem e, a seu tempo, ingrata àqueles que dela se servem. Sinto muita gratidão da minha querida comunidade vimaranense.

“A Penha deixou de ser sentida”, disse António Emílio ao Conquistador. Concorda ou discorda? Porquê?

A Penha foi, é e será sempre sentida de modo especial e carinhoso por todos os vimaranenses. Presentemente sinto que a Penha bate cada vez mais forte nos seus corações. A intensidade é uma questão de épocas e de conjunturas circunstanciais.

Inicialmente foi a fé e as inerentes festas populares, depois a paisagem geológica, a arqueologia, a mãe de água, os bons ares, a hotelaria e a restauração, o parque natural, a estância turística de excelência, o Santuário Eucarístico e Mariano, o sítio de interesse público nacional, o Teleférico da Penha, a prevenção e preservação do espaço contra o flagelo dos incêndios, a recuperação e requalificação da estância e, em curso, a classificação de Paisagem Protegida e a recuperação do edificado de hotelaria e restauração.

Registei a opinião de António Emílio que muito considero. Cada um, em seu tempo, fez e faz o melhor que pode nas circunstâncias sociais, políticas e económicas existentes em cada momento da sua vida social.

É o poder político que tem complexos com a imponência da Penha ou a Irmandade local que olha demais para o umbigo da Penha ?

A Penha é um local único no Mundo. Para a cidade o sol nasce nas suas costas e põe-se a seus pés. O poder político de maioria absoluta tem preferido investir mais no pôr do sol. São opções dos eleitos. Respeitamos, mas consideramos que temos sido o motor do desenvolvimento harmonioso daquele espaço e queremos continuar a ser.

No aparente “divórcio”, parece haver um jogo entre a Penha e a Cidade em que o poder autárquico prefere o Centro Histórico. Como levar o poder a perceber a mais valia da Penha na promoção da cidade ?

Enquanto Juiz da Irmandade, desde 2006, convidei pessoas, apaixonadas como eu, disponíveis e com elevados conhecimentos técnicos específicos dos projetos a implementar. Abri as portas às associações de Guimarães, principalmente ao Município incluindo todos os partidos políticos que o representam. Propus-me cuidar melhor desta casa comum logo que compreendi que cuidar da natureza também é cuidar de Deus. O trabalho realizado até agora foi meritório. Queremos fazer melhor para as novas gerações.

Com que projetos ?

Temos projetos conhecidos da população que estão bloqueados. Precisamos sempre da colaboração e ajuda do Município para os realizar porque é quem tem e deve criar as melhores condições para evoluir. A burocracia impera na interpretação das leis. Sentimos falta de sensibilidade para as interpretar de forma adequada à nossa evolução histórica que é secular. Sinto vontade do poder eleito autárquico. A minudência interpretativa, conveniente, de uma tecnicidade que teima em não encarar a realidade, amarra os eleitos. O nosso terreno na Penha não deve estar classificado como solo rural. A nossa área social urbana e turística do conjunto predial está integrada na área social urbana e turística da montanha da Penha; é solo urbano e urbanizado, segundo o PDM publicado em 2015 (Diário da República n.º 119 de 22 de junho) e está classificado como área social urbana na “COS (Carta de Ocupação do Solo)” e preenche todos os requisitos de “área edificada consolidada”.  Se o Município permitiu e permite que o nosso espaço fosse classificado como “zona rural” deve corrigir o erro praticado que prejudica o desenvolvimento e execução dos nossos projetos.

A Penha destaca-se pela qualidade do trabalho de preservação e valorização dos seus recursos. Tem sido um trabalho e um investimento solitário da Irmandade ?

Completamente. Desde o plano de requalificação iniciado em 1998 que o fazemos, exclusivamente, com os nossos recursos humanos e financeiros. Foi e é um trabalho que exigiu e exige muito esforço e várias centenas de milhares de euros do nosso orçamento. Não nos arrependemos, no entanto, não aceitamos o “prémio” que nos atribuíram, desde 2017, de “alta perigosidade de incêndios rural”. Não merecemos isto. Talvez por falta de conhecimento ou ignorância histórica não nos deram uma palavra. Não nos conformamos, temos esperança de que vão corrigir o erro com celeridade.

Penha, “Paisagem Protegida”. Que vantagens podem advir e que obstáculos têm sido encontrados para que tal ocorra ?

Essencialmente a “Paisagem Protegida” deve ser adequada à realidade do uso e fruição atual do nosso espaço, deve contemplar o corolário do trabalho realizado até agora, continuar a desenvolver e melhorar a prevenção dos incêndios na zona urbana da Penha e nas zonas rurais e florestais das suas encostas que são diferentes da sua cumeeira.

Os obstáculos começaram quando a Câmara Municipal, unilateralmente, decidiu triplicar a classificação dos 120 hectares iniciais para 360 hectares, contrariando a opinião do então Secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural, senhor Miguel João de Freitas, na sua visita de 12 de abril de 2018. Este aumento de área fez subir as dificuldades e os custos, o que complicou ainda mais a já difícil classificação. Penso que será necessário regressar ao projeto inicial.

Diz-se “Teleférico da Penha” ou “Teleférico de Guimarães”? O que justifica esta mudança onomástica ?

Obviamente diz-se “Teleférico da Penha”, dir-se-á sempre, pelo menos enquanto eu for vivo. Este foi o objeto central da constituição da empresa “Turipenha” como se pode comprovar da certidão permanente da Conservatória do Registo Predial e dos Estatutos fundacionais que nunca foram alterados. Deviam consultar o “Plano de Pormenor da Penha”, da autoria do Arq. Carlos Prata, aprovado em reunião de Câmara Municipal de 12 de dezembro de 1988, que alavancou a decisão de construção do “Teleférico da Penha”. Esquecimento propositado ou fértil imaginação que deu lugar a uma injusta usurpação do altruísmo de cidadãos, identificados ou não, deve ser reparada. Não se pronuncia o “Elevador de Braga” por ele ser “Elevador do Bom Jesus”. Do mesmo modo deve ser “Teleférico da Penha”, que é de Guimarães, porque foi assim que foi sonhado, planeado e executado. Esta via ascensional foi a concretização de um sonho que se prolongou desde a chegada do primeiro comboio à nossa cidade. Recomendo que leiam o livro “Teleférico da Penha” imaginário e realidade de Esser Jorge Silva, publicado em 2013.

Explique a razão, ou as razões, para o projeto de remodelação do Hotel da Penha continuar entravado?

O Grande Hotel da Penha é histórico desde 1893. O atual edifício vai fazer 100 anos em 2029. Está encerrado como hotel. Só funciona como restaurante. O projeto de requalificação, da autoria do Arq. Noé Diniz, foi apresentado publicamente em 2017. Mantém as fachadas, prevê a demolição e a reconstrução do seu interior com a colocação de uma nova cobertura que permite uma utilização de mais três quartos. O entendimento burocrático das atuais regras não tem levado em conta a antiguidade e a importância secular do hotel no desenvolvimento turístico do sítio.  Com visão, vontade política e bom senso já tudo estaria resolvido. A recuperação do hotel vai custar muito mais caro do que custaria se a competente aprovação tivesse sido célere.  Vamos encontrar uma solução, tenho esperança.

Com a repetida iniciativa anual “O Verão é na Penha” - que este ano teve um megaconcerto com Zé Amaro - a Irmandade pretende constituir a Penha como um espaço cultural alternativo?

A Penha já é um espaço cultural. Construímos o melhor espaço cultural natural para “Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura”. Requalificamos o nosso espaço com um anfiteatro ao ar livre na nova “Praça do Cruzeiro”, um palco fixo para espetáculos populares na “Praça da Comissão”, renovamos o recinto do Santuário e zonas envolventes para grandes eventos cerimoniais religiosos, concertos, megaconcertos e exposições temáticas. Estamos prontos e abertos a iniciativas da comunidade, principalmente do município. Somos um espaço cultural não temos dúvidas. Por favor: usem-nos.

A Penha é vista como "pulmão" de Guimarães. Que papel tem ocupado a Irmandade no âmbito do projeto de candidatura de Guimarães a Capital Verde Europeia?

Quando fomos chamados a participar em 2015 ficamos imediatamente disponíveis. Demos o nosso contributo e disponibilizamos o nosso espaço. Daí a Rota da Biodiversidade ainda em construção, o estudo que nos permitiu identificar e conhecer melhor os recursos naturais, a fauna e a flora que nos vão levar à classificação de Paisagem Protegida. Contudo, muito falta fazer ainda. A anunciada recuperação do parque de campismo, propriedade da autarquia desde 1995, os trilhos, a sinalização adequada, a sede e o centro do conhecimento histórico, cultural e ambiental são coisas absolutamente fundamentais e necessárias para afirmar a Penha na sua já ótima atratividade.

Não é uma contradição dizer-se espaço ambiental e, em simultâneo, organizar uma prova automobilística como a Rampa da Penha ?

As tradições devem ser enquadradas e mantidas como identidades locais e nacionais. A Rampa da Penha é uma das mais antigas do País. Brevemente vai comemorar 100 anos. Não nos podemos vergar a fundamentalismos de ocasião senão qualquer dia só se pode vir à Penha caminhando.

O apelo do “ambiente” e do “verde” são apelos de religiosidade ou uma nova ideologia com cariz totalitário?

Estes apelos do ambiente e do verde são benéficos. Devem ser entendidos como conselhos a uma melhor preservação da natureza tendo em conta melhorar o seu uso harmonioso e equilibrado. As ideologias totalitárias são sempre temporais, logo fenecem. A vida e a natureza continuam.

A Covid-19 levou-o à fronteira da existência. No regresso à vida o que subsiste?

Felizmente consegui superar essa provação. Dou graças a Deus. Agradeço aos profissionais de saúde que muito bem cuidaram de mim. Agradeço à minha mulher e às minhas filhas e restante família porque são sempre incansáveis a cuidar de mim. Aos amigos e conhecidos um muito obrigado por se terem preocupado comigo. Não foi fácil, era uma epidemia estranha, desconhecida que obrigou a grande sofrimento, muitos sacrifícios e privação da liberdade. No regresso à vida subsiste a energia de sempre para superar as dificuldades da vida, dos problemas e ajudar a comunidade a que pertenço sempre de forma empenhada.

Que relação encontra entre os votos de castidade, estragos psicológicos da repressão sexual e a pedofilia na Igreja Católica?

São problemas da fraqueza humana, atitudes inadmissíveis, provocatórias da dignidade pessoal e que a Igreja Católica tem vindo a resolver seguindo as orientações do Papa Francisco e das autoridades judicias.

5 RESPOSTAS RÁPIDAS
  1. Sugestão gastronómica?

Bacalhau cozido com todos

 

  1. Que livro está a ler?

“A ronda da Noite” de Agustina Bessa Luís

 

  1. A música que não lhe sai da cabeça?

“O tempo não pára” de Mariza

 

  1. Um filme de referência?

O voo das Águias

 

  1. Passatempo preferido?

Uma boa convivência com os amigos de longa data

[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de dezembro de 2022 do Jornal O Conquistador.]

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