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A memória perdida de Ronfe (e também a viva) cabe numa antiga sala de aula

Tiago Mendes Dias
Cultura \ sábado, janeiro 21, 2023
© Direitos reservados
A apetência de António Machado para os trabalhos manuais moldou figuras de gesso, madeira e esferovite que contam a história de Ronfe a partir do Espaço Arte e Cultura, numa antiga escola primária.

Sobre a mesa, o cinzento e o laranja dão vida a uma estrutura de gesso, madeira e esferovite que replica a Fábrica da Cerquinha, exemplar do qual praticamente nada resta entre as dezenas de têxteis que surgiram às margens do Ave no século XX. “Ficava junto ao rio Ave, perto da Ponte de Serves. Hoje restam meia dúzia de pedras. Cheguei lá a brincar”, descreve António Machado ao Jornal de Guimarães.

O artesão de 76 anos moldou outras fábricas – a primeira versão da Somelos é um exemplo. Mas também casas senhoriais, edifícios religiosos e personalidades com ligação a Ronfe, num conjunto entre as 50 e as 100 peças. Iniciada há mais de 15 anos, a obra mereceu exposições em lugares vários até garantir alojamento permanente na antiga EB1 de Gemunde: a mostra permanente foi inaugurada a 28 de maio de 2022 numa das salas que compõem agora o Espaço Arte e Cultura de Ronfe.

O momento coroou um percurso em que “o bichinho pelo artesanato nasceu graças ao escutismo”, durante a adolescência. “Para ganhar concursos, fazia trabalhos manuais – secretárias, bancos. Naquele tempo, fazia as coisas com a faca das couves. Trabalhava em madeira. Esse gosto nasceu aí”, recorda.

Envolvido na criação da Fraternidade Nun’Álvares e da fanfarra de Ronfe, deixou o escutismo quando sentiu que “não o deixavam fazer o que queria” e começou “a fazer casinhas” na sua residência. Os trabalhos viraram exposições, mas nunca meras apresentações de trabalhos manuais; andaram sempre de mão dada com a pesquisa histórica.

Uma breve biografia ladeia cada um dos bonecos; José Pinto de Oliveira, por exemplo, foi um engenheiro mecânico que se radicou em Ronfe e foi presidente da Câmara Municipal de Guimarães, entre 1965 e 1966; já António Teixeira de Melo e Narciso de Sousa Lobo foram industriais, Joaquim de Silva Martins líder escutista, José Barros fogueteiro e Delfina de Vasconcelos a proprietária que doou os terrenos para a antiga escola.

O processo repete-se para o património da vila, seja ele o edifício original da Somelos ou a Casa da Condessa, construção do século XVIII hoje ao abandono. A demolição da antiga cadeia, num terreno entre a igreja paroquial e a EB1 de Gemunde, ainda lhe suscita uma mágoa visceral. “Foi um crime deitar o edifício da cadeia abaixo. Eu cheguei a brincar lá dentro, quando tinha os meus sete anos. Foi tudo destruído. Há 30 anos era assim. No museu, temo-la como era”, recorda.

Artesão há décadas, António Machado é também aluno da universidade sénior de Guimarães – a UNAGUI -, facto que o incentivou a criar réplicas do Castelo de Guimarães ou do edifício dos Paços do Concelho na Praça da Oliveira, também em exibição no Espaço Arte e Cultura. Está agora a preparar uma exposição de peças de Natal na instituição e gosta da responsabilidade de ter de saber as matérias. “Pensei que aquilo era uma brincadeira, mas não é. Como tenho de viver até aos 105 anos, tenho de me esforçar”, ri-se.

 

Espaço aberto a todos, CriativaMente

Há mais vida em Gemunde para além da sala que guarda a memória de Ronfe. Só neste ano ensaiou-se ali Portugalidade, peça de teatro apresentada em julho, no âmbito do Excentricidade, e dá-se nova vida a roupas usadas com o CriativaMente, projeto orientado pela associação Academia da Razão que levou a um desfile em setembro. A ação social é também propósito daquele equipamento. “As pessoas podem cá vir para se voltarem a inserir no mercado de trabalho. O espaço ajuda a procurar emprego ou a fazer currículos. E é aberto a qualquer ideia cultural ou educacional”, diz Joana Freitas, uma das psicólogas que ali trabalha.

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