A compaixão das pessoas boas
As pessoas boas melhoram o mundo, as vidas de quem as rodeia. Entram nelas sem hesitar, com atitudes generosas e solidárias. Tornam os dias melhores. Deixam a marca de uma energia que, apegada à humildade, transmite segurança pela certeza dos valores morais que consideram mais apropriados. São ferozes a condenar qualquer coisa que desafie esses valores e altamente melindrosas ao que os ponha em causa. Incapazes de virar as costas ao desafio desse padrão por si estabelecido, para si e para os outros; ao inevitável teste de elasticidade que a sociedade fará sobre ele. Defendem acerrimamente minorias e os seus direitos, por pena das suas exclusões, tendo por isso enorme tolerância perante os seus deveres como forma de compensação. No fundo, vivem para a imagem de compaixão que as faz sentir bem; realizadas. Mas nunca o admitiriam, nem para si próprias.
Sofrem muito nesse processo de serem boas. Rejeitam impor-se, aceitando demasiadas imposições – permitem que quem as rodeia se aproveite com oportunismo numa ingratidão que lhes reserva ressentimento e amargura. Pisadas e usadas, têm dificuldade em definir os limites da sua disponibilidade e generosidade. Tudo para serem boas pessoas. Entregam-se a uma compaixão que vai esticando a sua dignidade até começarem inevitavelmente a definhar. Esquecem tudo o que é razoável e entregam-se a sentimentos maus. Desligam o bom senso e deixam de procurar a razão em ambas as versões de qualquer conflito, e a compaixão transforma-se numa tirania mascarada, vinculada a um ódio desnorteado. Em casos mais extremos, esse ímpeto acaba por transformar a empatia num veículo de destruição de valores tradicionais cada vez mais envergonhados, esquecidos no meio de uma confusão generalizada. Somos uma sociedade alimentada pelo ruído de pseudocelebridades banais, acabando por desdenhar os representantes desses valores agora desprezados.
Por isso a bondade é complexa. Ninguém deve ser presunçoso em relação à própria. Assumir a compaixão de forma implacável é perigoso para todos, e o mundo tem dado sinais da decadência que estes enviesamentos germinam. Se até o bom se pode tornar mau por compaixão, há que ser justo.