A Democracia e o balanço antes que feche
Dezembro é, invariavelmente, o mês dos balanços, de olhar para trás e percecionar todo o caminho feito, ligar os pontos, perceber os percalços, redefinir a rota. Em vésperas de eleições legislativas, e num momento crucial para o nosso país façamos um balanço de longo prazo à democracia.
Segundo o Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Social 2 terços da população mundial vivem em regimes com democracias em retrocesso ou regimes autocráticos. Há uma onda de desconfiança, desagrado e até ódio que tem varrido as democracias europeias. As tensões adensam-se, os movimentos extremistas ganham terreno. As fraturas, os conflitos agravam-se e temos, em diversos pontos da Europa, verdadeiras panelas de pressão prestes a rebentar.
Fazer um balanço de longo prazo é perceber que estamos num contexto histórico de transfiguração, o economista francês Tomas Piketty compara a actual situação à que levou à Revolução Francesa, é perceber que a mudança do sistema é inevitável, e o início de todas as mudanças terá de ser pela forma como é estruturada a democracia.
As elevadas taxas de abstenção, a perpetuação dos mesmos no poder, a bipolarização esquerda/direita, o descrédito nas instituições e nos políticos, mostra que a democracia já não o é. É necessário repensar a forma como exercemos democracia e, votar de 4 em 4 anos, não é suficiente quando políticos e políticas se repetem numa fórmula que já provou não funcionar.
Os exemplos de participação democrática pelas assembleias de cidadãos são cada vez mais e mostram que este é o caminho a seguir. Na Islândia, após a crise do sistema bancário, os cidadãos uniram-se e redigiram, de forma colaborativa, uma nova Constituição. Na Bélgica, o Conselho Cidadão de Ostbelgien, que integra cidadãos sorteados numa amostra representativa de toda a comunidade, definem propostas de políticas públicas que o governo e parlamento são, por lei, obrigados a adotar.
Fazer um balanço de longo prazo é perceber que, em Portugal, a democracia também está em declínio e, no entanto, em véspera de eleições, o discurso político permanece o mesmo, com as mesmas promessas, a mesma receita e os mesmos atores que nos conduziram aqui, um país empobrecido, ciclicamente em crise, onde o elevador social não funciona e as desigualdades se agravam cada vez mais.
Por hipótese, se em Portugal a abstenção ou os votos em branco fossem contabilizados, para efeitos de lugares no Parlamento, e sorteados para serem ocupados por cidadãos (e os sorteios eram, há 2500 anos, uma das ferramentas da democracia grega) esta seria a bancada com maior representação. Imagine ter uma bancada parlamentar composta por cidadãos anónimos, sorteados aleatoriamente e com a missão de servirem a sua nação sem os constrangimentos dos interesses partidários e a subserviência aos lobbies do costume.
Em tempos de balanço e de projeção do futuro, percebemos que o caminho não passa pela concentração do poder e pelas maiorias absolutas, mas pela adoção de uma democracia inclusiva que envolva todos os atores sociais na construção de soluções e de políticas públicas, repartindo o poder e garantindo uma representação popular e não só partidária. Não será o Rui, nem o António, nem o PS ou o PSD a resolver os inúmeros problemas sociais e económicos que o nosso país enfrenta. Seremos nós, enquanto nação, de forma participativa e colaborativa a construir o país que queremos. Por isso, em tempos de balanço, e desejos, espero que o novo ciclo político que inicia no próximo ano, seja o prenúncio de um novo paradigma, um que nos conduza a uma sociedade mais justa, mais participada, mais humanista.