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A Grande Mudança

Francisco Brito
Opinião \ sábado, setembro 18, 2021
© Direitos reservados
Foram vários os livros que, de forma mais ou menos evidente, ajudaram a transformar utopias em realidades quotidianas. Outros há que parecem servir de alerta para um mundo em que não queremos viver.

“A Grande Mudança” é o título de um livro de Stephen Greenblatt que, em linhas gerais, explica a importância que a descoberta de “Da Natureza das Coisas” (livro escrito no século I a.C. pelo poeta romano Lucrécio) teve para a ciência moderna e para o mundo moderno.

A obra é um poema onde confluem as teorias de Demócrito, de Epicuro e a visão do próprio Lucrécio. Perdida desde a antiguidade, foi redescoberta apenas no século XV num remoto convento em Fulda (Alemanha) por Poggio Bracciolini (um antigo secretário do Papa que então actuava como uma espécie de “caçador de manuscritos”).

De acordo com Greenblatt, essa descoberta e subsequente divulgação foi fundamental para forjar o mundo em que vivemos, uma vez que “Da Natureza das Coisas” influenciou diversos artistas, pensadores como Maquiavel, Montesquieu ou Voltaire e esteve na génese de uma boa parte da ciência moderna, tendo contribuído de forma fundamental para o pensamento de Galileu, Newton, Einstein, entre muitos outros.

Num passado mais recente, outras obras literárias tiveram um papel fundamental para a mudança de mentalidades em diversos domínios, antecipando a politização de certos temas e até transcendendo o poder de movimentos políticos que partilhavam a mesma causa.

Em “Oliver Twist” (lançado em 1837) e noutras obras posteriores, Charles Dickens aborda o tema da exploração laboral, do trabalho infantil e da pobreza, fazendo chegar ao leitor uma descrição fiel e impressionante da miséria em que viviam as crianças mais desfavorecidas na Inglaterra do seu tempo. O impacto que a sua obra teve terá contribuído para uma mudança na percepção que as classes dirigentes inglesas tinham sobre este assunto.

Em 1834, nos Estados Unidos da América, Richard Hildreth publicava “The Slave: or Memoir of Archy Moore”, um romance abolicionista que seria reeditado em 1852 com o título “The White Slave”. Precisamente nesse ano cairia uma bomba nos EUA: a publicação em livro de “Uncle Tom’s Cabin, or Life Among the Lowly”, uma obra da autoria de Harriet Beecher Stowe que é um autêntico manifesto contra a escravatura. “Uncle Tom’s Cabin” (“A Cabana do Pai Tomás”) teve um impacto brutal nos Estados Unidos (atribuindo-se à obra o mote para a Guerra Civil americana e ao Presidente Lincoln a frase: “So you’re the little woman who wrote the book that started this great war”).

“Uncle Tom’s Cabin” transcendeu as fronteiras norte-americanas e foi traduzido em diversas línguas (em Portugal parte da história tradução das obras abolicionistas ainda está por contar, mas sabemos que numa das suas primeiras edições este livro foi vertido para português pelo escrivão da Relação de Luanda António Pereira de Castro). O livro conheceu inúmeras edições em todo o mundo tendo vendido centenas de milhares de exemplares, podendo dizer-se que contribuiu para um debate global sobre a escravatura.

Servem estes exemplos (há muitos mais) para demonstrar que foram vários os livros que, de uma forma mais ou menos evidente, ajudaram a transformar utopias em realidades quotidianas, pondo em causa dogmas, antecipando movimentos políticos, quebrando barreiras, destruindo preconceitos, sendo agentes dessa grande mudança que tantas vezes reclamamos. Outros há que parecem também servir de alerta para um mundo em que não queremos viver. Talvez não seja por acaso que obras como “1984”, de George Orwell, ou “O Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, sejam hoje “best sellers”…

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