Cavalo em festas tradicionais: onde estão as raças autóctones portuguesas?
Vem a propósito da Feira do Cavalo de Ponte de Lima e do retomar da corrida de cavalos para a Festa das Gualterianas. Os cavalos são animais muito sociáveis e inteligentes, cuja utilização ao longo dos tempos se baseou no seu poder, na capacidade de cobrir grandes superfícies num tempo muito curto e, provavelmente o mais importante à época, carregar muito peso.
Originário do Equus ferus przewalskii, cavalo silvestre de origem asiática que remonta ao Pleistoceno e que, embora esteja em perigo crítico de extinção, ainda vive (Przewalskii), estudos moleculares recentes sugerem a sua origem na América do Norte, nos territórios do estado de Wyoming, onde se localiza o Parque Nacional de Yellowstone.
As primeiras provas da interação entre humanos e cavalos datam do período Paleolítico Inferior e provêm de Schöningen, na Alemanha, onde foram encontradas numerosas carcaças esmagadas e esquartejadas, bem como ferramentas de osso de cavalo, dado que inicialmente, os cavalos eram caçados para obter carne e peles. Apesar das aparentes interações tróficas intensivas entre humanos e cavalos no Pleistoceno, não existem provas de domesticação antes de há 6000 anos, o que faz dos cavalos a última das cinco espécies pecuárias mais comuns a ser domesticada.
Provas genómicas e arqueológicas comprovam a domesticação de cavalos na cultura Botai, no norte do Cazaquistão (5600-5000 AC), tais como currais e gestão de estrume, resíduos de leite de égua em cerâmica, alterações morfológicas nos ossos metacarpianos, entre outras. Alguns estudos propuseram putativos centros de domesticação independentes, geograficamente distantes, como a Península Ibérica (o Garrano) e a Anatólia, mas investigações mais recentes, demonstraram que os cavalos destas regiões contribuíram com uma ascendência limitada para os cavalos modernos.
Em Portugal, existem quatro raças autóctones de cavalos (Garrano, Sorraia, Lusitano e Pónei da Terceira), sendo o Lusitano o mais expressivo em números e o mais antigo cavalo de sela do Mundo. Nos últimos séculos, o Lusitano destacou-se por ser o cavalo por excelência para a arte equestre e para o toureio, com natural aptidão para o ensino, mas que se tem destacado igualmente em importantes concursos internacionais, nomeadamente na atrelagem de competição onde obteve, por duas vezes, o título de Campeão do Mundo e na equitação de trabalho, onde se distingue ao obter os mais importantes títulos internacionais.
Os Garranos, cujo solar se encontra no Norte de Portugal e, particularmente, na zona do Parque Nacional da Peneda-Geres, são “cavalos de rija tempera sóbrios, muito ciosos e rufões por índole”, que se caracterizam por andamentos muito próprios. O passo travado, designado pelos romanos como numeratim (números contados), intermediário entre o passo e o trote, ouvindo-se quatro batidas, muito precipitadas e aproximadas por fases diagonais e a andadura, designada pelos romanos como moliter incedere (andar suavemente), caraterizada pelas associações dos membros laterais que se levantam e pousam ao mesmo tempo, fazendo-se ouvir duas batidas em cada passada.
As corridas tradicionais, que sempre integravam as corridas de cavalos, tinham como elemento diferenciador o passo travado (tão querido no Norte de Portugal), permitindo, assim, promover um recurso genético autóctone – a raça Garrana. De igual forma, quer em touradas (praticamente inexistentes no Norte do País), quer em espetáculos equestres, o Lusitano impunha as suas características e contribuía para a preservação da raça (hoje com núcleos muito numerosos no Brasil e México). Hoje, em eventos com cavalos, valoriza-se a velocidade e, como consequência, a participação de outras raças de maior aptidão, como os Puro-Sangue (Árabe ou Inglês).
Assim, ao retomarmos estas tradicionais corridas, e quando temos como forma distintiva a sustentabilidade, olhemos para as raças autóctones, sinal de biodiversidade e elemento importante para a manutenção das comunidades no espaço rural.