As Nicolinas de 1866 e 1869 no “Jornal do Porto”
A explicação para este facto é simples. Como fora de Guimarães não se sabia muito bem em que consistiam o os festejos a S. Nicolau, era necessário ao correspondente que enviava a notícia dos festejos retratar com algum pormenor o que faziam os estudantes vimaranenses por aqueles dias.
Algumas das melhores descrições que encontrei até hoje saíram da pena de Oliveira Lemos um literato que, durante alguns anos, foi correspondente do “Jornal do Porto” em Guimarães.
Nas correspondências que de seguida transcrevo podemos encontrar diversos detalhes curiosos que vão desde a forma como se preparava o pinheiro antes de o colocar no Toural até ao número de pessoas que assistiam às festividades.
Jornal do Porto 6.12.1866
“Guimarães, 2 de Dezembro (correspondência particular)
Quinta-feira, 29 do corrente, foi o dia em que na praça do Toural, à noite, se levantou aqui o pinheiro dos estudantes. Esta notícia carece de uma explicação minha para esclarecimento dos leitores.
Destes tempos antiquíssimos há aqui um legado, deixado por um homem de bons tempos, que principia por trazer no dia ou noite acima indicados, um pinheiro d’alguma matta próxima da cidade; sendo trazido em um ou dois carros que os estudantes, com tambores e musica, acompanham até ao Toural. Assim que aí chegam, o pinheiro é deposto e lhe mandam tirar a casca; depois o erguem ao ar com a extremidade mais grossa metida num buraco aberto no campo. É nessa posição que aí fica por alguns dias.
Desde o dia 29 até à madrugada do dia 5 de Dezembro, começando isto nos fins de Novembro, andam todas as noites logo depois das duas a horas das noites, indo assistir a uma novena celebrada (…) a invocação de N. Senhora da Conceição (…). Nesse dia 5 finda a folia noturna, tão incomodativa para eles como para os ouvintes que lhe ouvem o bárbaro soar do tambor, há um abundante magusto de castanhas festejadas com o líquido avermelhado. Em tal dia ao romper da aurora termina com isto o folguedo; e nesse dia que se mascaram botam um bando, cujo fraseado, em linguagem poética é sempre indicando a regalia exclusiva dos seus foros escolásticos. No dia 6 fazem cavalhadas e exibições e com tal demonstração acaba a função do S. Nicolau, assim chamada, que para em tudo ser singular, até só para ela podem entrar os que aqui frequentaram uma aula de latim e se dedicaram à carreira literária.
Por muitos velhos é contado que antigamente foi uma festa de mão cheia, mas que hoje está um pouco decaída da sua primitiva grandeza. Esta função é precedida de certas formalidades. Tem estatutos, e para as despesas do folguedo, dão todos os confrades, em tempo determinado, as sabidas quotas sempre indispensáveis.
Tinha além d’isso há poucos anos ainda uma distinção ou foro e renda, que no dia 6 os estudantes montados em bem ajaezados cavalos iam receber fora da cidade, voltando com nozes, maças, etc, que depois distriubiam às damas mais prendadas da terra. Mas este foro, segundo creio, está quase extinto ou, até me parece, que foram esbulhados dele e assim banidos de direito primordial que em legitima herança vinha do testador. Ingoro as razões para a derrogação de tal delgado se puderam dar.
Por ser uma festa que de certo não tem igual em todo o país, e se acha revestida de bastante antiguidade, aqui dou notícia dela.”
Jornal do Porto 4.12.1869
“Guimarães, 1 de Dezembro (correspondência particular)
Levantou-se aqui anteontem, segunda-feira, o pinheiro dos estudantes, a que na praça do Toural assistiu um numeroso concurso de povo, para cima talvez de cinco ou seis mil pessoas.
O pinheiro veio da freguesia de Aldão, próxima desta cidade, sendo conduzido em carros mais d’uma junta de bois, vindo adiante alguns possantes lavradores, munidos de seus paus, e sendo tudo precedido de povo das cercanias, e estudantes a tocar tambor.
Assim deu entrada à boca da noite na cidade com a música que havia ido esperar o pinheiro pela estrada de Fafe.
Chegou à praça do Toural, e ali, depois das cerimónias do costume, se ergueu o pinheiro que lá está hoje: ostenta em cima, como pendão ilustre, o retrato de Minerva, designando o caracter da festa escolástica.
É isto que abre as portas ao festejo; começam depois as novenas, a que nas madrugadas vão os estudantes, na capela de Nossa Senhora da Conceição; e no dia 5 e 6 a mascarada, outrora animada, hoje decaída um tanto.
É festa clássica, legado velho, que dantes tinha seu foro de maças e nozes, mas contentando-se hoje só com as castanhas do seu magusto, que também é um dos folguedos da festa dos estudantes, na madrugada do dia 5 de Dezembro”.