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Barriga vazia não tem alegria

Rui Antunes
Opinião \ segunda-feira, março 22, 2021
© Direitos reservados
Na escola as crianças e jovens têm as mesmas condições, enquanto que no ensino à distância as desigualdades são potenciadas pela falta de condições da habitação e para a alimentação.

Um ano após o início da pandemia, há vários setores que continuam sem condições para regressar à normalidade. A educação foi das áreas mais afetadas e, no anterior e atual anos letivos, a maioria das crianças e jovens esteve em aulas por videoconferência durante longos períodos de tempo.

O plano de desconfinamento anunciado dá prioridade, e bem, ao regresso às escolas. Esta medida é urgente por razões pedagógicas e de saúde mental, mas fundamentalmente por uma questão de equidade no acesso à educação.

Ensinar e aprender implica interação e socialização, pelo que o ensino à distância não é adequado, principalmente nas crianças até aos 12 anos. As dificuldades pedagógicas dos professores em ensinar faz com que o sucesso nas aprendizagens em casa dependa do acompanhamento dos encarregados de educação.

Os dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência indicam que o sucesso escolar está relacionado com o nível de habilitação da mãe: apenas 8% dos alunos de mães sem habilitações têm um percurso de sucesso no 2º Ciclo, enquanto que, no caso de mães licenciadas, são 80% os alunos com sucesso.

As capacidades intelectuais do agregado familiar são, por isso, determinantes para agravar ou mitigar o risco de insucesso escolar das crianças. Encarregados de educação com níveis de escolaridade mais baixos têm, em princípio, mais dificuldades em acompanhar os conteúdos e apoiar o estudo.

O sucesso escolar também depende do contexto económico e social. Na escola as crianças e jovens têm as mesmas condições, enquanto que no ensino à distância as desigualdades são potenciadas pela falta de condições da habitação e para a alimentação.

No relatório sobre as condições de vida das crianças em Portugal (*), coordenado pela economista Susana Peralta, da Universidade Nova de Lisboa, são apresentados dados obtidos através do Inquérito às Condições de Vida e do Rendimento, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística.

De acordo com os cálculos dos autores, em 2019, entre as crianças até aos 12 anos: 25,8 % vive em casas onde entra água ou com humidade; 12,9 % não tem capacidade para aquecer a casa; 9,2 % não tem luz suficiente; 15,5 % vive em alojamentos sobrelotados.

Se avaliarmos a privação alimentar, em 2018, 9,2 % das crianças vivem em famílias que não têm capacidade para para fazer refeições completas e saudáveis. A situação é agravada se forem famílias monoparentais (14,4 %) ou numerosas (21,1%). 3,1% das crianças sentiu fome, mas não comeu porque a família não tinha dinheiro.

A situação atual afigura-se ainda mais preocupante devido à crise. O ensino presencial assegura que ninguém fica para trás. Todos os estudantes devem ter acesso à alimentação adequada para que se possam concentrar no estudo e adquirir os conhecimentos.

O futuro das crianças pode estar comprometido se não for salvaguardado o direito à educação. A escola pública é a única garantia de inclusão e igualdade, pelo que devem ter aulas presenciais em todos os ciclos o mais breve possível.

 

(*) Peralta, S., Esteves, M., Freitas, P., Herdade, M., & Carvalho, B. P. (2021). Crianças em Portugal e ensino a distância: um retrato. Retirado daqui.

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